quarta-feira, 16 de abril de 2008

ESTÔMAGO

Não é a toa que Marcos Jorge tem chamado seu filme de “Ratatouille dos pobres”. Tal como a animação da Disney/Pixar, ESTÔMAGO tem o raro talento de aguçar o paladar através dos olhos. E assim como a história do rato que se tornou chef, a saga de Raimundo Nonato toca em questões mais profundas do que aparentam a primeira vista.
Numa co-produção Brasil/Itália, país onde o diretor Marcos Jorge adquiriu vasta experiência audiovisual, ESTÔMAGO tem como cenário inicial o submundo urbano, e é num boteco boca-quente que o deslocado protagonista vivido por João Miguel (CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS) é inserido. Num ambiente completamente estranho ao seu, o nordestino Nonato acaba sendo facilmente explorado pelo dono do bar, até que o sucesso de suas coxinhas o leva diretamente a cozinha de um restaurante italiano, onde inicia um intensivo treinamento culinário.
Mas a trama não se resume a isso e logo de cara conhecemos também o destino do protagonista, o que divide a narrativa em dois distintos períodos temporais. Assim, a prisão de Nonato é acompanhada paralelamente a sua chegada a cidade grande, e ESTÔMAGO tem aí talvez seu maior trunfo: desenvolvendo simultaneamente dois momentos narrativos, a trama acaba criando um duplo clímax; um principal, que diz respeito a prisão do personagem, e um surpresa, que intensifica ainda mais o alucinante desfecho da história.
É imprescindível também destacar a interpretação de João Miguel e a habilidosa construção de seu personagem, que com o passar do tempo deixa-se contaminar pelo ambiente ao qual foi inserido e, sobretudo, pela descoberta de um dom, o qual ele não hesita em usar em benefício próprio. É aí que ESTÔMAGO deixa de ser apenas uma boa história e vai além: se RATATOUILLE trazia a culinária como um questionamento à arte, ESTÔMAGO utiliza-se dela como um meio na busca pelo poder, algo visível no caráter gradualmente corrompido do protagonista.
Co-estrelado pela talentosa Fabiula Nascimento, que dá um charme exótico à prostituta Iria, há no longa de Marcos Jorge certo tom de fabula, que abranda a esporádica violência da trama e dá ao filme uma leveza deliciosa, digna das iguarias preparadas por Nonato.
ESTÔMAGO é, por fim, um ensaio sobre a gula, algo evidente na relação entre seus protagonistas. Ela era o maior pecado de Iria e, num momento de fúria, acabou sendo também o de Nonato. É, portanto a maior fragilidade das inúmeras figuras presentes no filme, personagens que sucumbem quando seduzidos pela boca, ou melhor dizendo, pelo estômago.


por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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