segunda-feira, 23 de junho de 2008

WALL-E

FIM DOS TEMPOS, visão apocalíptica do diretor M. Night Shyamalan, tem sido alvo de duras críticas e inúmeras controvérsias: trata-se de um filme tão polêmico quanto poético. Até aí nenhuma novidade. É, portanto, interessante constatar que uma nova e ainda mais curiosa versão sobre o fim do mundo esteja entrando em cartaz a partir da próxima sexta, através de um gênero muito menos usual. Ver Shyamalan, até pouco tempo considerado um mestre do suspense, falando sobre a extinção da vida na Terra é uma coisa; ver a nova animação da Disney/Pixar tratando o mesmo tema é algo, no mínimo, inusitado. WALL-E traz já em seus primeiros planos um mundo quase inabitado. Em meio a imensos edifícios constituídos por lixo e sucata, circulam o pequeno e delicado Wall-e, um robô catador de lixo (uma espécie de ET, de Spielberg, só que robotizado) e uma baratinha que lhe faz companhia. Para amenizar a rotina solitária, ele se apega a pequenos resquícios da humanidade que um dia habitara o planeta (objetos como um musical em fita cassete, um isqueiro e uma lâmpada). Mas o cotidiano de Wall-e muda completamente com a chegada de Eva (sugestivo o nome, não?) uma robôzinha high-tech que veio a Terra cumprir uma missão secreta e que acaba encantando o romântico robô-lixeiro a tal ponto deste segui-la até o espaço, quando a missão acaba.
É neste primeiro momento, retratando os dias de Wall-e e Eva num mundo completamente devastado, que WALL-E ousa ser um filme de diálogos escassos. Num cenário onde os únicos personagens são robôs que se comunicam através de ruídos e meia-dúzia de palavras estilizadas, a imagem e a música tornam-se responsáveis por conduzir o discurso. A narrativa segue adiante utilizando a matéria-prima do cinema, abrindo mão de um recurso que tem sua inquestionável importância, mas que vem sendo enfraquecido por ser usado de maneira exaustiva e, muitas vezes, excessivamente didática. Afinal, o bom diálogo é aquele que leva a história adiante ou sublinha uma imagem, mas dificilmente é aquele que tenta substituí-la.
Da metade em diante, WALL-E muda não apenas de cenário, mas também de tom. As cores, até então amarronzadas, adquirem algum colorido e um ritmo mais intenso toma o lugar das cenas lentas e contemplativas vistas a princípio. Descobre-se então que a humanidade não fora extinta: encontra-se viva numa estação espacial, porém, latente, introduzida num mundo virtual que impossibilita qualquer tipo de relação humana real. Um segundo “apocalipse” é então revelado, não como uma reação climático-ecológica ou como uma herança da inconseqüência dos homens. O fim dos tempos de WALL-E transcende barreiras literais e retrata a “aniquilação” da espécie humana através do isolamento, do sedentarismo e da falta de comunicação.
WALL-E, por fim, dá continuidade ao patamar de qualidade e ousadia apresentado pela Pixar nos últimos anos. Em CARROS, o choque entre o urbano e o bucólico é representado através de um ritmo lento e tons melancólicos. Em RATATOUILLE, a obra-prima do estúdio, questionamentos sobre arte e crítica são levantados numa história aparentemente simples, mas com inúmeras camadas de interpretação. Em WALL-E, o primeiro recado é dado sem grandes rodeios, e fala de um mundo consumido pela poluição. O segundo, no entanto, é menos óbvio, e por isso mesmo, mais interessante: num universo de humanos adormecidos, o único relacionamento real é entre um casal de robôs. Um recado simples, que aqui dispensa palavras já que imagens são poderosas o bastante para transmiti-lo.


por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

domingo, 15 de junho de 2008

FIM DOS TEMPOS

Há em FIM DOS TEMPOS três momentos que aglutinam tudo aquilo que o cinema de M. Night Shyamalan sempre teve de melhor. Dentre tais características (e acreditem, não são poucas) a maior delas ainda é a capacidade com que o cineasta cria a atmosfera de tensão e suspense recorrente em seus filmes através da sugestão, abrindo mão de sangrias desatadas ou truques manjados de som a fim de amedontrar o expectador (muito embora o som seja um recurso importantíssimo em toda sua filmografia). Logo na abertura do filme vemos o primeiro desses momentos. Numa cena que nos remete à vista em O HOSPEDEIRO (aquela em que testemunhamos o horror dos transeuntes diante de uma criatura fora de quadro) FIM DOS TEMPOS inicia com duas mulheres sentadas num parque. Em meio à conversa, uma delas desvia sua atenção para fora do quadro e descreve um incidente que ela mesma parece não compreender. O expectador muito menos, mas sabe-se desde então que coisa boa não é. Quando a câmera retorna para a segunda personagem, presenciamos de perto o que antes fora apenas descrito. A moça tira uma espécie de grampo do cabelo e penetra na jugular. Embora a tragédia fosse já anunciada pela fala da outra, a sensação aqui não é de redundância, mas sim da imagem sublinhando o discurso textual. E o filme de Shyamalan tem aí uma abertura poderosa o bastante para seduzir o público logo nos primeiros instantes.
O segundo momento vem à tona pouco depois. E meio a uma construção urbana, um trabalhador desaba das alturas provocando a preocupação dos colegas que estão no chão. Uma segunda figura desaba. E uma terceira. E o som dos corpos caindo povoam a sala de projeção. A câmera se posiciona num contra-plongé e o quadro é composto por inúmeros vultos que cortam o céu em queda livre. O plano é simultaneamente dono de uma extrema beleza estética e de uma violência atroz e a câmera de Shyamalan leva o expectador ao choque sem utilizar sangue ou qualquer tipo de violência física visível, dessas vistas em JOGOS MORTAIS; apenas através de sombras suicidas e que cujo destino já sabemos de antemão, sem precisar conferir o resultado da carnificina.
No terceiro momento a trama já está contada: uma desconhecida bactéria transmitida pelo ar leva os contaminados ao suicídio em questão de segundos. As ruas estão entupidas de carros e pessoas em estado de alerta. É quando a matança recomeça; desta vez, de um ângulo ainda mais curioso. Um policial saca sua arma a atira em si próprio. Vemos esse mesmo gesto ser repetido ainda por outras duas pessoas com a mesma arma que, passando de mão em mão, inaugura uma espécie de efeito dominó. A câmera acompanha tudo de perto, só que focada nas pernas de cada personagem, sem revelar nada muito além dos corpos tombando. É a terceira grande cena do filme de Shyamalan e temos, até aí, um terço do filme. É justamente aí que reside o maior problema de FIM DOS TEMPOS: seus três momentos dramaturgicamente mais intensos estão concentrados ainda no início da trama, e embora tudo o que venha adiante mantenha certo interesse, jamais consegue se equipar ao universo apocalíptico poético construído durante o primeiro ato.
O constante estado de alerta do norte-americano pós 11 de setembro parece ter virado uma espécie de subgênero cinematográfico. FIM DOS TEMPOS não foge disso ao criar uma sociedade em estado latente, preparada para o pânico e o caos desencadeados a qualquer instante. Aqui, no caso, não se sabe ao certo de onde vem o inimigo, pelo menos até certa parte da projeção, o que aumenta ainda mais a paranóia dos personagens vistos na tela. Alias, pode-se dizer que FIM DOS TEMPOS é um verdadeiro ensaio sobre a paranóia, algo bastante visível nos protagonistas Elliot e Alma, vividos por Mark Wahlberg e Zooey Deschanel. Enquanto Alma surge como uma mulher extremamente confusa, que revela suas crises ao marido nos momentos mais inoportunos, o estado de confusão de Elliot é levado a extremos ainda maiores, levando a figura do herói a beirar o ridículo (num momento bastante reconhecível do filme), uma escolha que pode soar até ousada no roteiro, mas é desperdiçada graças à desatenção de Shyamalan na direção de atores de seu filme.
Ainda que com grandes chances de ser injustiçado (assim como foram A VILA e DAMA DA ÁGUA), FIM DOS TEMPOS dá continuidade ao patamar de regularidade atingido por Shyamalan após O SEXTO SENTIDO, ou seja, seus filmes nunca mais se equipararam à sua obra-prima, mas têm um padrão mínimo de qualidade. Aqui, fica claro de que não se pode acusar o cineasta de uma carreira irregular, muito menos de ser um diretor ruim, já que Shyamalan demonstra saber usar eximiamente os principais marcadores do gênero em que aparentemente resolvera se especializar.
Por fim, ao apontar a natureza como responsável pela epidemia que se espalha, FIM DOS TEMPOS dialoga diretamente com o recente EU SOU A LENDA e até mesmo com NA NATUREZA SELVAGEM. A diferença é que neste último, ela demonstra uma força brutal, porém verossímil, diante de um único homem. No filme estrelado por Will Smith e no de Shyamalan há um trágico e imaginativo controle populacional: no primeiro através de um drama de ação; em FIM DOS TEMPOS, através de um suspense quase poético. Ambos retratam um apocalipse provocado pela fúria da natureza contra uma praga chamada humanidade.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

domingo, 8 de junho de 2008

FALSA LOURA

Em FALSA LOURA, de Carlos Reichembach, Silmara (Rosanne Mulholland) auxilia a colega Briducha (Djin Sganzerla) a dar um up no visual. Para as amigas, ninguém melhor do que Silmara para tal missão, já que ela é bonita, confiante, independente e sedutora. A própria Silmara acredita em tudo isso e, portanto, assume com afinco a transformação da amiga borralheira. Acaba sendo irônico que a protagonista tome assim um caminho inverso àquele que ajudou a outra trilhar, fazendo do filme uma desconstrução de um conhecido conto de fadas.
Só há uma coisa capaz de abalar a confiança de Silmara: o pai, um ex-incendiário abandonado pela esposa e pelos demais filhos. A princípio, é sempre que está ao lado dele que a moça expõe suas fragilidades. Com o passar do tempo, vemos que o pai é apenas uma das três figuras masculinas que surgem para desestabilizar Silmara.
Certa noite, Silmara, Briducha e outras amigas vão ao show do grupo “Bruno e seus Andrés”. O cenário é uma espécie de clube kitsh que operárias de diferentes indústrias freqüentam (Reichembach já havia criado um cenário parecido em ALMA CORSÁRIA). Bruno (Cauã Reymond) é o ídolo de todas elas, e não demora para que Silmara, com toda sua confiança, caminhe firme em direção ao rapaz, com uma garrafa de champagne entre os braços, sem desviar em momento algum o olhar. Pronto: o ídolo não só é conquistado como cede seu cargo a Silmara, que passa a ser objeto de admiração (e porque não dizer projeção) das demais personagens. Mal sabe a moça que sua confiança acabara ali, e que seu declínio estaria prestes a começar.
Daí em diante, Silmara passa a faltar no trabalho para se encontrar com o “namorado”. Não demora, porém, para ela perceber que para ele tal relacionamento não passa de pura diversão. Como se não bastasse, ao dar um basta na situação, Silmara recebe um montante de dinheiro equivalente às faltas que serão descontadas de seu salário. Ela que bem no comecinho do filme fora confundida a uma garota de programa. O primeiro tombo está dado; a protagonista acorda do sonho para a realidade. Para as amigas, porém, nada importa: Silmara é um ideal a ser alcançado, é a mãe de todas as outras (algo explícito na cena em que ela consola Briducha, que levou um pé do namorado), é, por fim, uma lenda. E como ela mesma define, lendas muitas vezes ultrapassam a realidade.
A protagonista se permite ainda sonhar uma segunda vez, até mais alto do que da primeira. Desta vez o ídolo é Luís Ronaldo (Maurício Mattar), que diz procurar uma moça amiga, bonita, inteligente, capaz de acompanhar um homem de tal gabarito. A Cinderela se põe novamente a sonhar e nem é preciso dizer que a queda é ainda maior. Perder a primeira vez pode ser azar, mas na segunda, a mensagem de Reichembach fica clara.
Em FALSA LOURA, o diretor opta por explorar o subúrbio e habita-lo por estereótipos típicos a esse mundo popular. E não só os cabelos louros de Silmara são falsos; há em momentos do filme a predominância de uma artificialidade, um tom meio fake, especialmente nos diálogos. Não se engane; é tudo parte de uma linguagem que dá a obra traços de fábula. É justamente disso que trata o filme: uma fábula às avessas, um conto de fadas subvertido. A falsa loura, por fim, nada mais é do que uma Cinderela com vocação para gata borralheira.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: O PRÍNCIPE CASPIAN

Há três anos AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA chegava aos cinemas repleto de irregularidades. Em O PRÍNCIPE CASPIAN, segundo episódio da série, algumas delas demonstraram-se sanadas, mas duas das mais graves ainda permanecem: a falta de carisma do quarteto protagonista e a dúvida na escolha de um público ao qual a franquia deve atingir.
Aqui, a aventura dos irmãos Pevensie é retomada um ano após o episódio anterior. Em Nárnia, porém, isso equivale a 1000 anos, tempo suficiente para que o reino esteja em total decadência e seus habitantes em quase completa extinção. Vale lembrar que ao término do primeiro filme, o reino passou a ficar sob os cuidados do leão Aslan (dublado por Liam Neeson) e é justamente aí que ocorre o maior furo deste segundo filme, já que o leão (que surge como o arquétipo do mentor) só retorna a trama em seu terceiro ato, sem explicar sua ausência ou sequer os acontecimentos que levaram o fictício reino a tal decadência. O personagem surge enfim como uma solução rápida e eficaz aos conflitos trazidos pelo roteiro; uma solução que só não veio antes simplesmente porque assim não haveria história.
Mas não vamos nos apressar. Antes vale falar do conflito constante que assola a franquia desde o princípio: afinal, NÁRNIA trata-se de uma saga estritamente infantil, um épico infanto-juvenil, ou um universo fantástico que, tal como HARRY POTTER, é capaz de dialogar com públicos de diferentes idades? Longe de mim querer julgar a obra literária de C.S. Lewis (que, confesso, não li), responsável por inspirar as adaptações cinematográficas, mas o que se vê nas telas é um filme extremamente confuso que, não sabe se mergulha num universo violento e sombrio (tal qual vemos no único momento em que Tilda Swinton aparece, revivendo a Feiticeira Branca numa cenas das melhores do longa) ou num mundo completamente infantil, parecido com aquele visto no episódio anterior.
Como se não bastasse, AS CRÔNICAS DE NÁRNIA abre mão de um dos maiores prazeres que se pode proporcionar ao expectador de uma obra fantástica: o de descobrir gradualmente os encantos e magias daquele universo. Diferente do que ocorre em POTTER, O SENHOR DOS ANÉIS, ou nos recentes STARDUST e PONTE PARA TERABITHIA (que apesar de ter os mesmos produtores e pertencer a um universo derivado de NÁRNIA, é não só um infantil comovente como infinitamente superior), aqui a magia é enlatada e imposta ao público, e empobrece ainda mais pela falta de imaginação do roteiro e pela direção de arte pouco inspirada.
Mas ainda que questionável em sua narrativa e na concepção de um universo, não se pode negar certo amadurecimento da franquia, principalmente se comparado este episódio ao anterior. Primeiro pela presença de Sérgio Casttellito que faz do vilão Miraz o primeiro bom personagem da franquia, conseguindo fugir do caricatural, mas evitando também aquele tipo de humanização clichê comum a esses tipos de personagens (e embora Tilda Swinton fosse o que O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA tinha de melhor, não se poder negar que sua personagem era extremamente caricata). Segundo pela visível melhora dos efeitos visuais, que se não são verossímeis, desta vez ao menos não incomodam. Por fim, pelo simples fato de que é um filme correto sempre que se assume como um épico (ainda que mais limpinho e em menores proporções). Tomara que O PRINCÍPE CASPIAN acabe sendo talvez um filme de transição, assim como A CÂMERA SECRETA foi para HARRY POTTER, que teve sua verdadeira guinada em O PRISIONEIRO DE AZKABAN, dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón. É, talvez falte a NÁRNIA um “Cuarón” que dê um rumo à franquia e faça as coisas engrenarem de vez.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ