quarta-feira, 11 de julho de 2007

HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX



HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX é uma obra literária adaptada para as telas de cinema, mas certamente seria cabível como produto da TV norte-americana. Talvez uma série, a julgar pelo caráter episódico desta quinta aventura do bruxinho e seus amigos; na primeira semana viria o piloto; em seguida um capítulo dedicado à Ordem da Fênix, um à Dolores Umbridge, à oclumência, e assim por diante.
Assim é narrativa de A ORDEM DA FÊNIX, convencional, episódica e num ritmo totalmente descompassado. Dirigido por David Yates, cujo currículo conta com uma imensa bagagem televisiva, o filme deixa sempre a impressão de que está prestes a decolar. A projeção termina, a impressão fica, e o filme acaba sendo correto, mas só.
Se A ORDEM DA FÊNIX é sombrio? Sim, até certo ponto. Mas nada que se compare aos dois episódios anteriores da série, especialmente O PRISIONEIRO DE AZKABAN, do mexicano Alfonso Cuarón. Responsável por revolucionar o destino da série em sua versão cinematográfica, Cuarón trazia em AZKABAN todo o universo concebido pela autora J. K. Rowling e já explorado por Chris Columbus, imerso numa atmosfera mais adulta, com personagens complexas e um clima de tensão a todo instante.
A continuidade, O CÁLICE DE FOGO talvez não tenha ficado a altura, mas certamente o sucessor Mike Newell entendeu o recado. Yates por sua vez parece não ter compreendido a mensagem; sua ORDEM DA FÊNIX mistura a magia e a inocência dos filmes de Columbus (A PEDRA FILOSOFAL e A CÂMARA SECRETA) ao tom sombrio adotado por Newell e Cuarón. O resultado é um filme indeciso, sem personalidade própria.
Mas a maior lástima é ver um elenco de tamanho porte ser desperdiçado em personagens superficiais e até figurações. Dentre os adultos, pouco se vê Maggie Smith, Emma Thompson, Alan Rickman, David Thewlis e Helena Bonham Carter (estreando na série), grandes atores que outrora balanceavam as dificuldades do elenco jovem. Quanto a este, pode-se destacar pouco; talvez apenas a novata Evanna Lynch como Luna Lovegood, já que Rony e Hermione foram mal explorados pelo roteiro, e Harry volta como um adolescente “aborrecente” num desempenho apenas mediano de Daniel Radcliffe. Assim, a trama perde seu ótimo alívio cômico (Rony) e desperdiça Hermione, a melhor personagem do livro, interpretada por Emma Watson, a mais forte atriz dentre os protagonistas.
Se até aqui você ainda não desistiu de ver ao filme, alegre-se ao saber que HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX tem sim suas qualidades. A começar pela presença de Imelda Stauton (como Dolores Umbridge), cujas cenas são sempre boas e divertidas. Há ainda os ótimos efeitos especiais, a direção de arte inspirada, cenários de encher os olhos, e o esperado primeiro beijo de Harry Potter (mesmo que seja com a Cho “Chata”). Por fim, a trama engrena em seu último ato, trazendo nos momentos finais o clima que deveria estar envolto no filme todo.
HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX é além do livro mais longo da série, o que tem menos ação. Em compensação a trama é complexa e recheada de suspenses e conflitos adolescentes, coisas que quando surgem na tela, vêm de forma artificial. Numa história que retrata o início de uma guerra (mesmo que esta seja no mundo dos bruxos), o clima de tensão e urgência é essencial. Infelizmente o resultado, apesar de esteticamente belo e até mesmo divertido, é bastante irregular. Fica a impressão de uma obra sem vida própria, além da certeza que a série precisa ser novamente reinventada. Talvez seja a hora de se pensar em trazer de volta um certo mexicano para junto de Harry, Rony e Hermione.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

domingo, 8 de julho de 2007

RATATOUILLE

Enganam-se aqueles que acreditam no cinema como uma arte estritamente visual. Filmes como os recentes PERFUME e O CHEIRO DO RALO são provas incontestáveis de obras audiovisuais que através de imagens e sons estimulam o olfato, um dos cinco sentidos que a rigor é deixado de lado no cinema convencional. Um filme cujo plot faz parte do mundo gastronômico, portanto não poderia deixar de provocar o paladar do espectador, tarefa que RATATOUILLE cumpre com mérito junto a todas as outras propostas pela animação.

Produzida pela Disney/Pixar, RATATOUILLE teve uma estréia sem grandes estardalhaços, principalmente se comparada à recente chegada de SHREK TERCEIRO. Uma pena, já que a animação de Brad Bird (OS INCRÍVEIS) é certamente uma das obras mais interessantes e encantadoras dos estúdios de Mickey Mouse nos últimos anos.

A trama ambientada na França gira em torno do ratinho Remy, cujo sonho é se tornar um grande cozinheiro. Claro que inúmeros obstáculos separam nosso incomum herói da realização de seu sonho, dentre eles o decisivo fato de ser um rato, e a repulsão que estes causam aos humanos. Assim, RATATOUILLE cai em alguns temas comuns (o que está longe de ser ruim já que o longa os discute com esperteza e sensibilidade) como preconceito e força de vontade, mas destaca-se ainda mais quando adentra questões mais profundas (que para muitos passarão batidas), como quando questiona os verdadeiros significado e valor da arte. Mais além, o filme trata ainda do constante embate entre a obra e a crítica, questiona o verdadeiro valor do crítico perante à arte e certamente dá uma bela cutucada não só na crítica gastronômica, mas também na cinematográfica.

Adiciona-se à receita de RATATOUILLE um senso de humor apurado e uma dramaticidade geralmente incomum às animações Disney. Embora encantadora para os pequenos, a história inúmeras vezes adentra terrenos adultos (causando espanto como quando vemos de relance numa cena uma esposa apontar uma arma para o marido) o que por vezes nos faz lembrar animes, assim chamadas as animações japonesas, cuja profundidade é sempre maior do que aparenta. Sobressaem-se ainda leves tons melancólicos espalhados pela trama, talvez herdados de CARROS, outra animação bastante bela e incomum da Disney/Pixar.

Graficamente falando, o mundo concebido em RATATOUILLE é de tirar o fôlego. Além de surpreender ao conceber um belíssimo visual às externas de Paris (talvez para compensar a falta de criatividade dada à cidade futurista de A FAMÍLIA DO FUTURO), concentra-se ainda em expor detalhes interiores em seus mais mínimos detalhes (a cena em que acompanhamos Remy pela primeira vez na cozinha do Gusteau’s é estonteante apesar de tecnicamente difícil e corajosa). Há ainda um momento inspirado que mostra a sensação de Remy (e, mais tarde, a de seu irmão) ao provar uma mistura de iguarias criada por ele; diante de um fundo preto com o personagem ao lado, surgem uma explosão de cores representantes de tal paladar, acompanhada por uma música que conta com este mesmo intuito. Uma metáfora clara da gustação representada pelo audiovisual, que em muito lembra uma cena de PERFUME, onde o prazer de um personagem ao sentir determinada fragrância é comparado ao beijo de uma bela mulher.

Assim, RATATOUILLE cumpre as inúmeras funções as quais uma boa animação deve suprir. Narra uma boa história, diverte à um público da mais variada idade e enche os olhos de todos com sua beleza gráfica inovadora. Não pára por aí; rompe conceitos de seus próprios estúdios ao criar uma trama inovadora, livre de maniqueísmos e sujeita a diversas camadas de interpretação. Talvez uma das obras mais audaciosas da Pixar, que certamente merece e deverá ser lembrada por um bom tempo.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ