quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O IMPOSSÍVEL


É provável que o primeiro desafio de J. A. Bayona em “O Impossível” tenha sido o de se desvencilhar do tsunami filmado por Clint Eastwood na obra-prima “Além da Vida”. Desafio superado: enquanto Eastwood buscava mostrar traumas que marcam a alma, Bayona sai a procura de coisas mais terrenas, palpáveis. Neste ponto, é uma antítese de seu longa de estreia, “O Orfanato”. O horror, no entanto, permeia as duas obras: se no anterior ele era sobrenatural, aqui é natural em diversos sentidos. Bayona filma os minutos que antecedem o tsunami como num filme de horror: há aquela calmaria ameaçadora, o trabalho do som no sentido da suspensão, a mise-en-scène que distancia a família no último instante antes da tragédia, a bola do garoto que rola, rola, e de repente para: fosse no filme anterior, ela estaria aos pés de algum espírito assustador. Aqui, no entanto, o monstro é de outra esfera: a devastadora onda avança frente ao protagonista. Fosse Roland Emmerich filmando, provavelmente veríamos o início do tsunami em alto mar, diversos planos da onda engrandecendo antes de destruir tudo o que tem pela frente. A chave de Bayona é a do suspense, está muito mais próximo de Shyamallan (e isso é um elogio) do que de Emmerich, filma o tsunami como se fosse um mostro saído do sótão.
É um filme potente sempre que fica nesse diapasão. O horror é a matéria-prima de Bayona e aqui ele se materializa na dor, nos limites do corpo. Nesse sentido, o trabalho de câmera é bastante interessante, pois da mesma maneira em que traz quadros abertos mostrando a dimensão daquela devastação, trabalha também em closes inquietos que buscam a destruição dos próprios corpos.
Mas o filme oscila também para o melodrama, e o faz sem a mesma classe. Não por culpa da encenação, mas pelo exagero da trilha e pelo roteiro, que não é ruim, mas tem suas esquisitices. A começar pelo protagonismo: Maria (Naomi Watts) é, a princípio, a dona do “defeito”, a personagem que exige uma mudança. Isso, no entanto, se esvai durante o filme, e o protagonismo passa para o filho Lucas (Tom Holland). Há uma série de coisas mal aparadas, como a “pista e recompensa” boba do refrigerante (que, por sinal, é colhida cedo demais) e o suspense em torno da possível morte de uma personagem. Não que o filme chegue a se perder; há boas cenas (o reencontro entre pai e filhos é uma delas, aliás, tomara que o trabalho de Ewan McGregor ganhe devido reconhecimento), mas não é onde está a força do filme. Bayona se sai muito melhor quando filma o horror como experiência e não como consequência.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

TROPAS ESTELARES



“Tropas Estelares” tem um frescor que, à princípio, toda obra de ficção-científica deveria ter. Afinal, é um dos subgêneros que dá maior abertura à um reset do mundo como ele é, sem no entanto, se desprender totalmente dele (ou talvez do que haja de essencial nele). É assim neste filme de Verhoeven, que nesse diapasão da ficção-científica futurista centrada num mundo de extrema globalização (onde Buenos Aires é igual à Nova York), fala de forma crítica dessa homogeneização da assepsia, da não identidade, que transforma o mundo num vídeo institucional. Aliás, essa é uma ideia que percorre o filme: ele  abre no vídeo institucional, apresenta os desdobramentos da trama, que no fim, desemboca novamente no institucional de motivações mecanizadas e números. Apesar do registro satírico, há uma aura em torno do filme que faz com que pareça que antes dele nunca houvera ficção-científica, como se o Cinema nunca houvesse visitado outros mundos. Algo de pueril (talvez uma "ingenuidade" boa) por parte de Verhoeven, que ao mesmo tempo em que satiriza, brinca de ser (re)inventor do gênero. Mas isso está mais numa esfera do impressionismo mesmo, portanto, posso estar falando bobagem...

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE



- Em O Cavaleiro das Trevas a essência parecia estar na figura do herói colocada em xeque. De um lado havia o mal absoluto, sem ordem ou razão, que era o Coringa; do outro o homem de bem, policial incorruptível, aquele que não precisava de máscaras, representado na figura do comissário Gordon. Entres esses polos flutuavam Batman e Harvey Dent, figuras malditas que se reviravam em sentimentos borbulhantes que faziam com que pendessem de um lado para o outro. Neste novo filme, isso acaba, o que deixa as coisas um pouco menos interessantes. Gotham está tão na merda que se Mickey Mouse aparecesse de capa, já seria herói. A cidade precisa tanto de alguém que ocupe este posto, que a mentira construída sobre a imagem de Harvey Dent e a culpa que Gordon (finalmente corrompido, tragédia pessoal pouco explorada pelo filme) carrega por causa disso parecem perder o impacto. 

- Parecia impossível chegar a um antagonista com a força do Coringa. Bane de fato não chega, mas vai próximo. A complexidade não é a mesma do personagem de Ledger, que exercia uma espécie de força centrípeta sobre o filme, mas Hardy e a decupagem de Nolan transformam o sujeito num monstro. Ponto para os dois.

- Falando em decupagem, Nolan me parece filmar bem os personagens, assim como espaços urbanos, sempre que se precisa de alguma imagem grandiosa. A decupagem de ação, no entanto, sofre um retrocesso se comparada à do Batman anterior e ao filme A Origem (filme do qual gosto mais da direção do que do roteiro). Acho que Nolan não consegue localizar espacialmente bem as coisas e a maior prova disso é aquela cena do avião.

- Concordo com Ricardo Calil sobre o roteiro intrincado. Acho até interessante quando olhado de longe, a trama como um todo, mas durante o filme, na hora do vamos ver, acarreta um ritmo que vai irregular até pelo menos a metade do 2º ato. E da-lhe exposição!

- Joseph Gordon-Levitt assume o papel do bem sem escalas, sem traumas e imperfeições, que outrora fora do comissário Gordon. E faz isso muito bem.

- MAS é Anne Hathaway o grande acréscimo do elenco. É sedutora, sem ser ardilosa, diferente da Mulher Gato da Michelle Pfeiffer. Está mais para uma sobrevivente, que astuta, capta a fragilidade do oponente não para atacar, mas para se livrar das situações e tirar seu pescoço da guilhotina. Mas há também uma certa fragilidade, ingenuidade... A primeira cena da personagem, aliás, além de incrível, parece ser uma boa síntese da Selina Kyle de Hathaway.

- No geral, gosto desse realismo que Nolan trouxe à franquia, mas concordo com Inácio Araújo de que a Gotham deste 3º filme é Nova York. Mas é algo que, para mim, não acontecia nem em Begins, nem em O Cavaleiro das Trevas, é uma particularidade deste último filme.

- A parte final é o ponto alto do filme. O turn-point envolvendo Marion Contillard é bom. Melhor ainda porque a trama se desenha colocando todas as possíveis soluções na mão da personagem. É também o momento em que Gary Oldman e seu sempre interessante comissário Gordon ganham destaque, e Anne Hathaway está provando o quão bad ass sua Mulher Gato pode ser.

domingo, 8 de julho de 2012

O ESPETACULAR HOMEM-ARANHA, de Marc Webb



Sobre o novo "Homem-Aranha":

- Há uma mudança de temática: a trilogia de Raimi girava em torno do herói e suas escolhas. Aqui, as escolhas são feitas, às vezes de maneira meio torta, às vezes impostas. Resta ao herói lidar com elas, assumir uma responsabilidade. A princípio, abriria as portas para um Aranha ainda mais complexo e trágico do que o de outrora, mas pouco se vê disso no filme (ainda que Andrew Garfield se esforce). A exceção é a cena em que o Aranha e o Chefe de polícia se encontram num momento ápice de revelação, talvez a melhor de todo o filme.

- O roteiro episódico, principalmente na primeira parcela do filme, propõe essa mudança temática mais na teoria do que na prática: ouve-se muito o "responsabilize-se por seus atos", mas são poucas as oportunidades para que o personagem vivencie isso de fato. A morte do tio, que deveria propiciar essa virada do herói, acontece de forma apressada, tendo sua importância e potencial dramático desperdiçados.

- Garfield me parece o trunfo do filme.

- Os demais personagens são planos, exceto o Lagarto, que é bipolar, além de um vilão muito ruim. Emma Stone se sai bem, enquanto Sally Field é sub-aproveitada.

- Marc Webb (do bonitinho, mas superestimado "500 dias com ela") parece fazer um filme melhor sempre que Peter Parker está fora da roupa do Aranha, quando é um garoto comum. Perde a chance de fazer um bom momento romântico na cena do terraço (ao contrário de Raimi, que fez o famoso beijo de ponta-cabeça no 2º filme). Por fim, faz cenas de ação protocolares: nas batalhas entre os arranha-céus, a trilha serve de muleta dramática; na descoberta dos poderes num vagão de metrô, Aranha quebra tudo em poucos planos, sem que a decupagem dê conta de localizar espacialmente as coisas.

- "O espetacular Homem-Aranha" me parecia mais espetacular na trilogia de Raimi, que é um cineasta melhor do que Webb. É um bom filme de herói, mas que ironicamente, parece mais à vontade com seu protagonista quando este está fora da roupa vermelha e azul.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

TITANIC

 
Numa das últimas cenas de “Titanic”, Rose, então vivida por Glória Stuart, pontua que jamais teve uma foto de Jack (DiCaprio): o amor do passado ficara guardado apenas na lembrança. Pois a memória é objeto central no filme de Cameron: introduz o ponto de vista e se desdobra na construção narrativa e da mise-en-scène. Há um plano essencial: aquele em que Stuart aparece em primeiro plano, com as ruínas do navio ao fundo. A câmera então se desvencilha do rosto da atriz e o navio, outrora em segundo plano, toma a tela e numa transição, deixa de ser ruínas para retornar ao dia de sua primeira partida. Esse deslocamento temporal, que contrasta o hoje de um corpo, com o passado dele, se repete sucessivas vezes, e Cameron faz questão de pontuá-los em transições suaves ou sobreposições: o olhar de Kate Winslet que se torna o de Stuart; a lembrança do momento na proa do navio, que desaparece deixando apenas a carcaça da embarcação no fundo do mar.
Esse território da lembrança permite que, muitas vezes, a imagem se torne volátil, se esvaia, trazendo-nos de volta ao tempo presente. A imagem do passado, da memória, é, no entanto, aquela que é determinante – não só conduz a narrativa, como baliza a vida da personagem. Ao final, vemos que Rose dedicou sua vida a cumprir promessas que fizera num único instante, num tempo passado. Chegamos assim à temática pulsante em Titanic: o tempo.
São novos tempos: a soberania europeia naufraga a caminho do novo mundo. Aos sobreviventes, as boas-vindas da Estátua da Liberdade, austera, num contra-plongé massacrante. Talvez não sejam tempos tão novos assim (como Carl vem a saber, anos depois), mas há, sem dúvida, uma reflexão do tempo histórico e da transferência de poder ocorrida no início do século. Mas há outro tempo, aquele do qual somos lembrados através da personagem Rose, que no filme, vive e revisita sua história. Há o passado, há o presente, e há o tempo decorrido até esse presente, que sofreu reverberações daquele momento impactante do naufrágio, e do encontro que libertou a personagem de uma aristocracia decadente, fadada a "encalhar no fundo do mar". As fotos sobre a estante demonstram isso: Rose cumpriu as promessas que fez ao homem que a salvou; não fosse por ele, estaria morta, mesmo que sobrevivesse ao naufrágio. “Titanic” lembra que a grande força do Cinema não está na reprodução de vidas inteiras, mas sim de acontecimentos que marcaram as vidas dessas personagens, momentos especiais, encontros únicos, espetaculares, que muitas vezes ficaram em tempos passados. O tempo perpassa os corpos, a mise-en-scène e a estrutura narrativa de “Titanic”. Não à toa, é uma grande obra cinematográfica.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

ALFRED 2011


Meus votos para o Alfred 2011 (http://ligadosblogues.wordpress.com):

Filme do ano
CÓPIA FIEL

Direção
ABBAS KIAROSTAMI, Cópia Fiel

Ator
RYAN GOSLING, por Namorados para Sempre

Atriz
MICHELLE WILLIAMS, por Namorados para Sempre

Ator coadjuvante
PAULO JOSÉ, por O PALHAÇO

Atriz coadjuvante
JESSICA CHASTAIN, por A ÁRVORE DA VIDA

Elenco
MEIA-NOITE EM PARIS

Cena do ano
O TSUNAMI, Além da Vida

Roteiro original
MEIA-NOITE EM PARIS

Roteiro adaptado
A PELE QUE HABITO

Filme de estreia
TRABALHAR CANSA

Filme brasileiro
RISCADO

Fotografia
A ÁRVORE DA VIDA

Montagem
A PELE QUE HABITO

Direção de arte
MEIA-NOITE EM PARIS

Trilha sonora
A ÁRVORE DA VIDA
Canção
RANGO THEME SONG, Rango

Som
SUPER 8

Efeitos visuais
ALÉM DA VIDA

Pior filme
127 HORAS