É provável que o primeiro desafio de J. A. Bayona em “O Impossível” tenha sido o
de se desvencilhar do tsunami filmado por Clint Eastwood na obra-prima “Além
da Vida”. Desafio superado: enquanto Eastwood buscava mostrar traumas que
marcam a alma, Bayona sai a procura de coisas mais terrenas, palpáveis. Neste
ponto, é uma antítese de seu longa de estreia, “O Orfanato”. O horror, no
entanto, permeia as duas obras: se no anterior ele era sobrenatural, aqui é
natural em diversos sentidos. Bayona filma os minutos que antecedem o tsunami
como num filme de horror: há aquela calmaria ameaçadora, o trabalho do som no
sentido da suspensão, a mise-en-scène que distancia a família no último
instante antes da tragédia, a bola do garoto que rola, rola, e de repente para:
fosse no filme anterior, ela estaria aos pés de algum espírito assustador.
Aqui, no entanto, o monstro é de outra esfera: a devastadora onda avança frente
ao protagonista. Fosse Roland Emmerich filmando, provavelmente veríamos o
início do tsunami em alto mar, diversos planos da onda engrandecendo antes de
destruir tudo o que tem pela frente. A chave de Bayona é a do suspense, está
muito mais próximo de Shyamallan (e isso é um elogio) do que de Emmerich, filma
o tsunami como se fosse um mostro saído do sótão.
É
um filme potente sempre que fica nesse diapasão. O horror é a matéria-prima de
Bayona e aqui ele se materializa na dor, nos limites do corpo. Nesse sentido, o
trabalho de câmera é bastante interessante, pois da mesma maneira em que traz
quadros abertos mostrando a dimensão daquela devastação, trabalha também em
closes inquietos que buscam a destruição dos próprios corpos.
Mas
o filme oscila também para o melodrama, e o faz sem a mesma classe. Não por
culpa da encenação, mas pelo exagero da trilha e pelo roteiro, que não é ruim,
mas tem suas esquisitices. A começar pelo protagonismo: Maria (Naomi Watts) é,
a princípio, a dona do “defeito”, a personagem que exige uma mudança. Isso, no
entanto, se esvai durante o filme, e o protagonismo passa para o filho Lucas
(Tom Holland). Há uma série de coisas mal aparadas, como a “pista e recompensa”
boba do refrigerante (que, por sinal, é colhida cedo demais) e o suspense em
torno da possível morte de uma personagem. Não que o filme chegue a se perder;
há boas cenas (o reencontro entre pai e filhos é uma delas, aliás, tomara que o
trabalho de Ewan McGregor ganhe devido reconhecimento), mas não é onde está a
força do filme. Bayona se sai muito melhor quando filma o horror como
experiência e não como consequência.