quarta-feira, 25 de junho de 2014

ELENA


“Elena” é um filme sobre a morte. Sobre a morte e um de seus legados: a memória. A realizadora Petra Costa retrabalha as memórias que tem da irmã Elena através do filme, das imagens em movimento que, de certa forma, são uma espécie de ressurreição do corpo morto. E é, sobretudo, na potência das imagens de arquivo que o corpo de Elena volta à vida.

“Elena” eclipsa arquivos e encenação. Pouca coisa é mais genuína do que os arquivos em que Petra e Elena dançam. Mas, afinal, por que arquivar imagens de corpos que dançam? Porque há vida neles, oras! Não é esta a beleza da imagem em movimento? As imagens de arquivo apontam para isso, sobre esses corpos que, naqueles registros das danças, contrariam a morte com mais força e mais verdade do que a imagem encenada do corpo que permanece vivo – Petra flutuando sobre água. Esses momentos em que Petra flutua buscam e conseguem ser poéticos, mas nenhuma poesia se equipara àquela gerada pela junção das imagens de arquivo. O corpo de Petra como autora/atriz só é tão forte quanto o corpo de Petra arquivo em um único momento: nos planos em que ela vaga aparentemente aflita por Nova Iorque e se confunde com o corpo-memória de Elena.

A narração da realizadora vem para corroborar esse conflito da poesia: a voz over oscila entre o essencial e excessivo. É indispensável para a amarração da narrativa e genuína na maior parte do tempo, mas às vezes erra por parecer não confiar na potência dos arquivos. Acaba por sufocar um pouco o filme.

Mas, ao se debruçar sobre a morte, “Elena” é, sobretudo, um filme cruel. Uma crueldade que parte da autora para com si própria ao resgatar um tempo de sofrimento, mas que vai além quando Petra interpela a mãe sobre suas memórias. Há uma cena singular nesse sentido: aquela no apartamento em Nova Iorque em que a mãe rememora o momento em que encontrara a filha morta. A câmera faz uma panorâmica pelo espaço enquanto a mãe de Petra e Elena narra. De repente, uma pausa e um suspiro. E a voz retorna embargada. A pausa e o respirar sofrido que a segue certamente são mais impactantes do que todo o discurso que se desenrola. É o momento em que “Elena” para de captar a memória da morte e passa a captar a memória da dor.


“Elena” é, por fim, um filme de erros. Se entrega à excessos ao desconfiar da própria poesia contida em suas imagens e, por vezes, se descontrola em sua abordagem, principalmente no que diz respeito a esse enfrentamento entre a realizadora e a mãe. Este texto pode ter dado a impressão de que é um filme desprezível. Pelo contrário: é tão pessoal que se debate com um trauma entre erros e acertos. É como os primeiros garranchos de uma criança em processo de alfabetização: há uma tentativa de capricho, de manter a letra arredonda entre as linhas, mas a emoção, o sentimento em torno daquilo é tão grande que extravasa. Ao se digladiar com a memória da morte, “Elena” erra e é justamente o que o torna um filme tão vivo.