sábado, 30 de agosto de 2008

O QUARTO DO FILHO

O QUARTO DO FILHO, de Nanni Moretti, inicia, logo de cara, com um pequeno conflito familiar. O filho caçula, Andrea, fora acusado de roubo dentro
do próprio colégio, o que causa certo desconforto, principalmente a Giovanni, o pai. A união da família, porém, permite que todos lidem bem com a situação, tratando o assunto através de diálogos abertos e alguma atenção a mais dispensada ao garoto. O inesperado, porém, acontece, e a vida feliz e pacata da família será como nunca afetada.
Numa manhã de domingo, Giovanni prepara-se para correr com Andrea quando o telefone toca. Um paciente pede então uma visita urgente do psicanalista e Giovanni acaba tendo que abortar os planos que fez com o filho. Uma buzina de caminhão adentra logo após um corte seco e vemos Giovanni guiando na estrada. Dali, vamos para Irene, a primogênita que, a caminho da escola, brinca fazendo manobras com os colegas sobre a mobilete. Por último, um pequeno bote corta o oceano. A bordo dele está Andrea.
A montagem alternada faz com que o espectador pressinta a tragédia. Para o protagonista, ela será tão surpreendente quanto o câncer que afeta seu paciente, que por sua vez se questiona sobre a razão da doença. Ele alega ter levado uma vida saudável e pergunta-se o porquê de tal injustiça. Na cena, a tragédia inesperada confronta dois homens sem trazer consigo razões ou porquês. Um já tem consciência dela. Para o outro, ela ocorre naquele exato momento, sem que ele sequer imagine.
A morte de Andrea faz com que os três principais personagens que habitam o filme iniciem uma espécie de ciclo. Não à toa, logo após a notícia, vemos Giovanni num parque de diversões, numa atração que o prende num carrinho de grades de ferro, e inicia então um movimento circular vertical. Circular como o trecho da música que ele repete inúmeras vezes sempre que pensa em Andrea ou como seus próprios pensamentos, que trazem à tona, através do filme, a corrida que deveria ter sido na manhã de domingo. Giovanni, Irene e Paola, a mãe, estão presos à tragédia que os assola e caminham e círculos em torno dela.
A libertação da dor chega no ato final da história, através da figura de Ariana, uma até então desconhecida namorada de Andrea. Ela é o último fato desconhecido da vida do garoto, a última novidade que aqueles pais teriam do filho, e eles então se apegam a ela como tal. Porém, Ariana é também a passagem, não rumo à cura da dor, já que esta provavelmente será eterna, mas a algo que a amorteça e a diminua. Há, antes do fim do filme, essa jornada, que se constitui fisicamente na viagem da família até a fronteira da França. O último plano, representa um recomeço: Giovanni, Paola e Irene, caminham em rumos desconexos à beira da praia. Pode não haver uma decisão comum do caminho a ser seguido e os passos podem parecer um tanto quanto atordoados, mas há ao menos a liberdade do movimento incessante que os assombrava. Está, enfim, encerrada a caminhada em torno do quarto do filho.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sábado, 16 de agosto de 2008

BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS

Em recente entrevista à revista Newsweek Entertainment, o diretor Christopher Nolan definiu o Coringa como um elemento anárquico, um agente causador do caos. Em determinado momento de BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS, o próprio personagem se intitula do mesmo modo. O fato é que o Coringa de Heath Leadger é o mal sem grandes explicações. Ele simplesmente existe e perturba, levando seus oponentes e, conseqüentemente a nós espectadores, a um estado de tensão constante e esgotamento psicológico. Sempre que o personagem invade a tela, a trilha sonora torna-se um zumbido crescente e perturbador, e a câmera de Nolan parece flutuar atraída em torno do palhaço macabro.
Em contraponto extremo ao Coringa, está a figura do Comissário Gordon, o mais genuíno representante do bem dentro da trama. Gordon é o policial dedicado e incorruptível, o pai de família amoroso e, dentre os personagens centrais, o único cuja noção de justiça jamais sofre distorções.
Duas outras figuras transitam entre essa dupla de extremos, o chamado Cavaleiro Branco e o já conhecido Cavaleiro das Trevas. De um lado, vemos o promotor de justiça Harvey Dent, um homem aparentemente incorruptível, não fosse a flexibilidade de seu senso de justiça a partir de determinado momento da trama. A princípio, Dent é o herói perfeito para Gotham City, seja pela sua determinação inabalável, seja por seu rosto livre de máscaras ou maquiagens, algo que parece ter-se tornado imprescindível numa cidade dominada por uma série de personagens que escondem a face. Do outro, o homem-morcego, ou o chamado Cavaleiro das Trevas. Embora Dent fosse o herói que Gotham sempre buscara, ele revelara-se um tanto quanto tardio, já que em tempos difíceis, Batman, e é bom distinguir o herói do personagem Bruce Wayne, era o justiceiro que, bem ou mal, agia de alguma forma. Ele só não esperava que suas ações desencadeassem reações tão contraditórias: se por um lado a criminalidade de Gotham diminui, por outro, a cidade passou a ser povoada por uma série de civis e criminosos fantasiados de homens-morcego, espalhando o caos ou fazendo justiça com as próprias mãos.
Não à toa, durante o único embate ocorrido entre Batman e o Espantalho durante o filme, um segundo criminoso trajando roupas similares às do herói, questiona ao verdadeiro: “Qual a diferença entre nós?”. Temos assim revelado nos primeiros minutos de projeção a verdadeira questão que move O CAVALEIRO DAS TREVAS. O que separa aquelas duas figuras? Qual a profundidade do abismo existente entre o Coringa e o Comissário Gordon? A resposta é: não há abismo, e sim uma linha tênue que separa o herói e o antagônico, o bem e o mal. Aqui, no caso, essa linha é composta por Harvey Dent e Batman, e ambos serão impiedosamente testados até optarem por um lado. Quanto a Bruce Wayne, pode-se dizer que o personagem em si já não existe mais, algo afirmado por Rachel Dawes ao final de BATMAN BEGINS. Wayne acabou tornando-se apenas uma máscara para que o sombrio e amargurado herói pudesse circular dentre a sociedade.
Destrinchando o arquétipo do herói até as últimas conseqüências, BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS faz com que o homem-morcego e Harvey Dent choquem-se com sérios questionamentos sobre ética e justiça. A diferença é que Batman, além de ser uma figura conscientemente maldita e conformada, conta com o auxílio de mentores em sua jornada. Para Dent, a queda é maior. Ele é atingido em cheio pela devastação causada pelo Coringa, e acaba construindo sua própria sorte através do caos desencadeado por aquele que pode então ser considerado seu criador. Ambos saem transformados: o promotor de justiça, antes símbolo de esperança, torna-se um justiceiro de valores equivocados, o Duas Caras. Batman, por sua vez, confirma uma máxima do filme: “ou você morre herói, ou vive o bastante para tornar-se vilão”. O elemento transformador desses personagens simboliza a insegurança e a corrupção de uma sociedade, age pelo simples prazer de agir e faz do pânico sua mais poderosa arma, tem ares de debochado, cabelos verdes desgrenhados e assume a cena sempre que surge. Um rosto de palhaço borrado é, enfim, um resumo físico daquilo que o filme de Christopher Nolan significa.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

A FAVORITA

Nas primeiras chamadas da novela A FAVORITA, de João Emanuel Carneiro, as personagens Flora e Donatela defendiam-se através de um texto idêntico e simultâneo, da acusação de assassinato que movimenta a atual trama das oito. De um lado Patrícia Pillar, eterna mocinha, cujo papel mais marcante fora a sofrida bóia-fria de O REI DO GADO, e que, segundo o site da própria novela, encarna Flora, uma mulher doce e solitária. Do outro, Claudia Raia, dona de uma série de personagens ambíguas e espalhafatosas, além de, no mínimo, uma vilã marcante (na novela TORRE DE BABEL), vivendo Donatela, uma pessoa de moral duvidosa, novamente segundo o perfil da personagem encontrado no site de A FAVORITA.
Passemos um pouco adiante. Mais especificamente a uma das chamadas de apresentação de elenco da trama, onde há um momento em que Donatela se diz uma santa e é prontamente retrucada pela sogra, personagem vivida por Glória Menezes: “Será mesmo?”.
Pronto. O espectador fora induzido, antes mesmo da estréia, a acreditar na inocência de Flora e na culpa de Donatela. Ao menos até os últimos capítulos que foram ao ar, onde numa já anunciada reviravolta, o autor revelara Flora como a grande vilã da novela das oito.
No entanto, espectador nenhum pode queixar-se de ter sido enganado. Os marcadores que traziam Flora como a assassina de A FAVORITA sempre estiveram presentes, seja na personalidade inconstante da personagem, seja nas palavras do próprio autor, que desde o princípio prometera uma reviravolta revelando assim a verdadeira assassina. Pensando por esse raciocínio, pendendo a culpa para o lado de Donatela, correr-se-ia o risco de recorrer a um artifício fácil e cômodo demais, afinal, aos olhos do grande público ela era a assassina. Ou seja, para não perder o fator surpresa, Carneiro transforma a então considerada mocinha em vilã, e inicia a desconstrução de uma série de preconceitos e antipatias criados em torno daquela que até então se considerava a antagonista.
Assim sendo, A FAVORITA pode estar longe de ser uma revolução teledramaturgica, mas conta com um mérito e uma ousadia que poucas novelas hoje conseguem alcançar (talvez as de Silvio de Abreu e Gilberto Braga, mas ainda assim talvez): dar alguma ambigüidade a um produto onde geralmente as coisas são sempre claras e didáticas.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

CLONE WARS

Ao término de A VINGANÇA DOS SITH, terceiro e último episódio da polêmica e questionada nova trilogia da série STAR WARS, vimos os primeiros passos de um dos mais representativos vilões do cinema mainstream norte-americano. O jedi Anakin Skywalker, cuja jornada acompanhamos desde o criticado episódio A AMEAÇA FANTASMA, de 1999, era finalmente transformado naquele que, metade homem, metade máquina, tinha em sua respiração artificial e bem marcada, um sinal de fácil reconhecimento e temor. Darth Vader renascia perante o público, décadas depois de protagonizar uma épica batalha contra seu filho Luke Skywalker, numa saga de inegável importância ao cinema hollywoodiano. Assim, o surgimento deste CLONE WARS, após os já conhecidos destinos dos protagonistas terem sido selados, soa como uma revisita nostálgica ao universo concebido por George Lucas, mas que, infelizmente, não passa disso.
Em CLONE WARS, vemos Anakin e Obi-Wan Kenobi numa missão de resgate ao filho de Jabba the Hutt (o mesmo de O RETORNO DE JEDI). A trama se situa entre os episódios II e III, ou seja, em meio às chamadas Guerras Clônicas, e o futuro Darth Vader é agora mestre de uma jovem padawan (como são chamados os jedis em treinamento), mantendo com ela uma dinâmica parecida àquela mantida entre ele próprio e Obi-Wan em O ATAQUE DOS CLONES, segundo episódio da série. A trama é escassa e baseada em pormenores que até então haviam sido apenas citados na saga original, o que acaba enfraquecendo CLONE WARS, já que, os eventos vistos aqui, jamais se igualam em relevancia ou intensidade aos vistos nos originais.
Como se não bastasse, a opção por fazer de CLONE WARS uma animação extremamente estilizada acaba sendo enfraquecida pela inexperiência da Lucasfilm no filão dos desenhos animados. A técnica que poderia potencializar ainda mais o universo da série, acaba plastificando cenários e personagens, e não raramente, vemos personagens humanos como Anakin e Obi-Wan agirem feito os dróides R2-D2 ou C3PO. E assim, STAR WARS perde muito de sua essência e sucumbe dentro de seu próprio universo.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ