terça-feira, 31 de março de 2009

GRAN TORINO

Primeiro A TROCA. Depois GRAN TORINO. Duas obras extremamente autorais, sob a tutela da um dos mais conhecidos autores norte-americanos, lançadas num curto intervalo de tempo. Um Clint Eastwood em sua essência: um filme um tanto quanto “torto”, “mal aparado”, com “imperfeições” visíveis, mas ainda assim um grande filme. Um cinema que prima pela busca por uma determinada simplicidade, que se faz presente seja na fotografia ou na direção de arte sempre pálidas e, se não for heresia dizer, até mesmo “empobrecidas”.
Aqui, Eastwood cria por trás e em frente às câmeras. Seu personagem Walt é figura arquetípica num roteiro repleto de situações semelhantes, quando não estereotipadas. Walt é um personagem intrinsecamente ligado à carreira de seu intérprete: homem viril, embrutecido, que “rosna” sempre que algo lhe desagrada, quase um caubói envelhecido, deslocado de seu tempo e espaço, confrontado por situações avessas a seus ideais através de um roteiro que tem como base o estereótipo (a gangue, os vizinhos asiáticos, a família interesseira e mal agradecida) e parte dele para um processo de desconstrução ou potencialização. Ou seja, em determinado momento, a gangue deixa de ser simples elemento de conflito para se tornar enfim uma verdadeira ameaça, enquanto a vizinhança deixa de ser um contraponto bem humorado em relação ao protagonista, para transformar-se numa espécie de redenção para o próprio. Walt, por fim, é um ser que evolui a olhos vistos durante o desenrolar do filme: não fosse isso, o destino do justiceiro ao final do filme poderia ser outro.
Embora muitas das situações provocadas pela rabugice de Walt contenham certa graça, e a ternura desajeitada com que é retratada a relação entre o velho e seus vizinhos dê certa leveza ao filme, GRAN TORINO é um filme embrutecido desde sua confecção (e muitas vezes há uma despreocupação estética inclusive com conceitos ligados à narrativa clássica como a construção de eixos), se tornando cada vez mais duro ao se aproximar da tragédia que ronda seu terceiro ato, tangenciando-se assim o já citado A TROCA e a(tirar) SOBRE MENINOS E LOBOS (e como neste último, temos aqui um filme em que um universo violento, viril e masculinizado vem à tona). Serve, porém, como complemento direto a MENINA DE OURO, principalmente pela forma como trata a velhice de um personagem que pode ser encontrado tanto numa carreira mais longínqua de seu intérprete, como num momento mais recente, como fora o caso do treinador do boxe do premiado filme de alguns anos atrás. Assim, Eastwood contrasta duas culturas e duas gerações, criando uma obra que desvenda a velhice partindo de seus marcadores mais arquetípicos até ligá-la à conclusão da trama. Acaba criando um filme tão cruel quanto, mas de final oposto ao filme dos Cohen, cuja tradução literal do título seria “Onde os velhos não têm vez”. Para GRAN TORINO a velhice é acompanhada de um certo pessimismo que tem ares de confronto final, o que não significa que não haja tempo para algumas últimas, porém decisivas mudanças.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sexta-feira, 13 de março de 2009

FEVEREIRO EM COTAÇÕES

1. CAPÍTULO 27, de Jarrett Schaeffer *
2. SPEED RACER, dos irmãos Wachowski ***
3. INVASÃO DE DOMICÍLIO, de Anthony Minghella ***
4. EU, MEU IRMÃO E NOSSA NAMORADA, de Peter Hedges ***
5. QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?, de Danny Boyle ***1/2
6. CLUBE DOS CINCO, de John Hughes ****
7. MILK – A VOZ DA IGUALDADE, de Gus Van Sant ****1/2

terça-feira, 3 de março de 2009

MILK

Em ELEFANTE, Gus Van Sant retratara o conhecido massacre ocorrido na Columbine High School através de uma ótica bastante particular: colocando-se sempre dentro de um hibridismo entre atração e repulsa, mantendo sua câmera a uma certa distância de segurança, mas ainda assim próxima o suficiente para que ela flutuasse magnetizada dentro do cenário, ele filmara figuras que vagavam pelos corredores do colégio, crianças aparentemente anestesiadas, talvez até por um pressentimento da tragédia que estava por vir.
Em MILK – A VOZ DA IGUALDADE, há dois momentos que nos remetem a ELEFANTE. No primeiro, a câmera acompanha um garotinho de costas caminhando em direção ao protagonista. Quando ele finalmente se aproxima de Harvey Milk (Sean Penn), entrega ao candidato um panfleto da campanha de Dan White (Josh Brolin), principal rival de Milk nas eleições. Mais tarde vemos o próprio Dan White caminhando pelos longos corredores de um edifício público através de uma movimentação e posicionamento de câmera semelhantes. Ambos são momentos que anunciam uma tragédia, e faz com que retornemos não só a ELEFANTE, mas a toda a cinematografia recente de um cineasta que usa como recorrência temática a morte.
Em MILK, pode-se dizer que Van Sant retorna a um cinema mais narrativo, o que não significa o total abandono das características marcantes de seus últimos filmes, como a fragmentação e a idéia de fluxo, seja este de pensamentos, ou de reminiscências e imagens, como no caso. Algo potencializado pela câmera na mão (idéia de que a câmera é capaz de ser atraída pelos personagens, bastante presente na obra de Van Sant) e pela montagem que aqui dá constantes saltos temporais, além de inserir na trama imagens de arquivo (e não raramente conhecemos fatos e personagens apenas através delas) e os inserts do próprio protagonista numa espécie de narração que, ora nos introduz na trama, ora nos tira dela, deixando-nos a sós com uma figura ciente da tragédia que a aguarda e que torna-se, portanto, ainda mais interessante.
Aliás, figuras intensas e grandes interpretações não faltam ao filme. Harvey Milk é brilhantemente defendido por Sean Penn, que acerta na posologia de um personagem único, marcado por características opostas como afetação e sutileza. James Franco cria uma figura extremamente tocante através do incondicional apoio e preocupação que tem para com o parceiro (Milk), enquanto Emile Hirsh confirma-se como um dos mais talentosos jovens atores surgidos em Hollywood nos últimos anos, e curiosamente, desta vez contracena ao lado de Penn, que o dirigiu em NA NATUREZA SELVAGEM. Por fim, a hipnótica presença de Josh Brolin, sem dúvidas essencial ao filme: um homem de personalidade e caráter oscilantes, que se contrapõe à chamativa e carismática presença de Harvey Milk, e que, sobretudo, se deixa lentamente degradar por suas frustrações.
A dúvida cerca Dan White: não se sabe ao certo o que realmente o deixa tão ressentido ou frustado (como hipóteses, a inveja da meteórica carreira de Milk e a insegurança quanto à própria sexualidade) e muito menos o que o leva a fazer o que fez. Sabemos apenas que ele renunciara ao cargo e pouco depois voltara atrás. Logo em seguida já o assistimos caminhar pelos corredores, carregando por alguns instantes a mesma angústia retratada no filme anterior de Van Sant, PARANOID PARK. Pouco antes, porém, a tragédia é anunciada: uma ópera abre a sequência final, aquela que tira a vida de Milk e leva Gus Van Sant de encontro a morte. White chama Milk para uma conversa. Trancados na sala, ele saca uma arma e atira. Milk tenta inutilmente proteger-se, mas cai de joelhos e durante a queda vira-se para a janela. Do lado de fora, a ópera, e sobre ela a ostensiva presença da bandeira americana. Em MILK, Gus Van Sant faz de uma cinebiografia um filme sobre minorias. Harvey Milk representa essas minorias e ao final tomba diante da tragédia e sob os olhos do símbolo máximo de sua nação. Uma nação que sempre se vendeu e se vende ainda hoje como defensora da liberdade. E por mais que, ao final, a tragédia acabe se transformando em fonte motivadora, Gus Van Sant encontra de alguma forma as matérias-primas que tem regido seus últimos filmes: a incomunicabilidade e a morte.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ