sexta-feira, 13 de abril de 2012

TITANIC

 
Numa das últimas cenas de “Titanic”, Rose, então vivida por Glória Stuart, pontua que jamais teve uma foto de Jack (DiCaprio): o amor do passado ficara guardado apenas na lembrança. Pois a memória é objeto central no filme de Cameron: introduz o ponto de vista e se desdobra na construção narrativa e da mise-en-scène. Há um plano essencial: aquele em que Stuart aparece em primeiro plano, com as ruínas do navio ao fundo. A câmera então se desvencilha do rosto da atriz e o navio, outrora em segundo plano, toma a tela e numa transição, deixa de ser ruínas para retornar ao dia de sua primeira partida. Esse deslocamento temporal, que contrasta o hoje de um corpo, com o passado dele, se repete sucessivas vezes, e Cameron faz questão de pontuá-los em transições suaves ou sobreposições: o olhar de Kate Winslet que se torna o de Stuart; a lembrança do momento na proa do navio, que desaparece deixando apenas a carcaça da embarcação no fundo do mar.
Esse território da lembrança permite que, muitas vezes, a imagem se torne volátil, se esvaia, trazendo-nos de volta ao tempo presente. A imagem do passado, da memória, é, no entanto, aquela que é determinante – não só conduz a narrativa, como baliza a vida da personagem. Ao final, vemos que Rose dedicou sua vida a cumprir promessas que fizera num único instante, num tempo passado. Chegamos assim à temática pulsante em Titanic: o tempo.
São novos tempos: a soberania europeia naufraga a caminho do novo mundo. Aos sobreviventes, as boas-vindas da Estátua da Liberdade, austera, num contra-plongé massacrante. Talvez não sejam tempos tão novos assim (como Carl vem a saber, anos depois), mas há, sem dúvida, uma reflexão do tempo histórico e da transferência de poder ocorrida no início do século. Mas há outro tempo, aquele do qual somos lembrados através da personagem Rose, que no filme, vive e revisita sua história. Há o passado, há o presente, e há o tempo decorrido até esse presente, que sofreu reverberações daquele momento impactante do naufrágio, e do encontro que libertou a personagem de uma aristocracia decadente, fadada a "encalhar no fundo do mar". As fotos sobre a estante demonstram isso: Rose cumpriu as promessas que fez ao homem que a salvou; não fosse por ele, estaria morta, mesmo que sobrevivesse ao naufrágio. “Titanic” lembra que a grande força do Cinema não está na reprodução de vidas inteiras, mas sim de acontecimentos que marcaram as vidas dessas personagens, momentos especiais, encontros únicos, espetaculares, que muitas vezes ficaram em tempos passados. O tempo perpassa os corpos, a mise-en-scène e a estrutura narrativa de “Titanic”. Não à toa, é uma grande obra cinematográfica.