domingo, 11 de março de 2007

Dreamgirls

DREAMGIRLS - EM BUSCA DE UM SONHO


“Dreamgirls” é daquelas obras que se equivalem em pontos positivos e negativos. De um lado, a protagonista Jennifer Hudson num desempenho formidável para alguém que tem ali sua primeira experiência como atriz. Do outro, um roteiro frágil que tenta transformar sua personagem numa mulher arrogante, desequilibrada e sem qualquer parâmetro de bom senso ou boas maneiras. Assim, por pouco a história não é focada numa figura detestável; algo que só não acontece devido aos demais personagens, ainda mais aborrecidos do que a própria protagonista.

Effie White tinha tudo para ser a mocinha para qual o público torce o nariz. É rude, desajeitada, egocêntrica, está acima do peso e ainda não perde uma oportunidade de criar um bom barraco. Deena Jones (Beyoncé Knowles), sua bela e tímida irmã, é sensível, compreensiva, e ainda por cima uma lady! Pensando bem, quem vai querer a primeira “dreamete” se a segunda se encaixa adequadamente a todos os moldes de uma boa protagonista.

Foi pensando assim que a Dreamworks e a Paramount Pictures promoveu Beyoncé a tal papel, relegando Jennifer Hudson a segundo plano. Mas não se engane; como disse anteriormente, apesar de tudo conspirar contra a ex-American Idol, ela ainda assim consegue dar a volta por cima (assim como sua personagem) e ser um dos grandes trunfos de “Dreamgirls”. Jennifer Hudson, vencedora do Academy Awards por sua atuação, pode não ser a coadjuvante (foi com este status que ela ganhou sua estatueta) do ano (e certamente não é), mas merece aplauso por saber contornar uma personagem que tinha tudo para ser nada.

É claro que a interpretação de Eddie Murphy não poderia ser aqui ignorada, já que não foi pelos principais críticos e festivais recentes. Murphy tem aqui uma das melhores atuações de sua carreira um tanto quanto duvidosa. Talvez tenha também o melhor papel, a julgar pela lista de personagens aos quais o ator deu vida. É com grande empolgação que Murphy torna James Early uma figura interessante, mesmo tendo contra os inúmeros clichês empregados ao personagem. Mas apesar da merecedora indicação ao Oscar, particularmente, acredito que a estatueta de melhor ator coadjuvante esteja em melhores mãos.

Fechando o elenco vêm Jamie Foxx e Beyoncé Knowles bastante competentes; ele por dar vida a uma figura duvidosa do princípio ao fim; ela por saber manejar a virada de sua personagem.
Mas apesar de todos os pontos positivos enumerados acima, tudo é balela perto daquilo que “Dreamgirls” com certeza tem de melhor: sua direção de arte. Assim, a função extremamente bem desempenhada, além de pontuar bem as inúmeras fases vividas pelo grupo (e pelo mundo) serve ainda para esclarecer falhas no roteiro e na edição deficientes. Se as passagens de tempo ocorridas na história já soam um tanto quanto confusas, seriam impossíveis de serem percebidas se não fosse à interferência da belíssima direção de arte.

Quanto às canções, sou obrigado a discordar em partes do comentário feito por José Wilker durante a cerimônia de premiação do Oscar. Segundo ele, o que “Dreamgirls” teria de menos interessante seriam justamente os números musicais. Tudo bem, as canções de “Dreamgirls” podem não ter profundidade e as coreografias não irem além do convencional. Mas em sua maioria são contagiantes, aliadas a uma direção gasta, porém acertada e a uma edição rápida e competente durante os números (e apenas aí).

Para quem espera de “Dreamgirls” algo comparado a “Moulin Rouge” ou “Chicago” a decepção é quase que garantida. Para aqueles que como eu não esperavam nada, uma grata surpresa; uma história contagiante sobre as dificuldades de se ser artista num mundo altamente competitivo. Um musical que alicerçado em bases frágeis, decola graças a um visual arrojado, além do carisma e da simpatia sempre presentes junto ao público.

por Alvaro André Zeini Cruz, ouvindo "I Need to Wake Up"

sexta-feira, 9 de março de 2007

Salve A Rainha

A RAINHA


Dois filmes sobre reinados distintos. De um lado, um
thriller baseado na figura do ditador ugandense Idi Amin; do outro, uma obra aparentemente singela sobre a morte da princesa Diana e como esta veio a afetar a monarquia inglesa. Em comum, o roteirista Peter Morgan, que pode se vangloriar por dois dos melhores roteiros do ano anterior.

Mas não se engane; a falta de profundidade de “A Rainha” é apenas aparente, já que uma única personagem é dona de uma dramaticidade infinita. E como se não bastasse a complexidade dada à figura de Elizabeth II, há ainda o contraponto de Tony Blair; criando-se assim dois personagens capazes de sustentar sozinhos toda a trama.

Enquanto a Blair, recém-empossado, é aqui retratado como um jovem sensível, idealista e em alguns momentos uma figura frágil, Elizabeth II, “A Rainha”, é descrita como uma mulher racional, cuja fragilidade e o abatimento jamais estarão aparentes, já que é assim que segundo ela própria uma governante deve ser.

É justamente o conflito razão x sensibilidade, o responsável pelo fio condutor da trama; uma das maiores crises recentes da monarquia inglesa. Enquanto as declarações de Blair dão a ele um fortalecimento diante da opinião pública, o isolamento da rainha e da família real é mal visto por seus súditos que passam a julgá-la diante da isenção da morte de Diana.

Mas apesar da aparente “competição” travada entre a família real e o Primeiro Ministro, discordantes de opinião quanto ao caso, é interessante notar o respeito e a admiração de Blair para com Elizabeth. Apesar de incompreendido por companheiros de partido e até mesmo pela esposa, Blair parece ser um dos poucos a compreender a importância do símbolo que a rainha é para sua nação, dizendo ser ela imprescindível para a Inglaterra. É tal idolatria que transforma a personagem vivida magnificamente por Charles Sheen numa figura ainda mais profunda e interessante do que se mostrara a princípio.

Já Hellen Mirren, vencedora do Academy Awards e mundialmente aclamada por sua atuação, simplesmente é a rainha. Num desempenho inesquecível, ela praticamente humaniza uma muralha; através de pequenos gestos e sutilezas, e com um humor tipicamente britânico ela torna uma figura inicialmente inacessível num ser humano que teme por mostras suas angustias e sentimentos. Ironicamente, o maior temor de Elizabeth era aquilo que sua detestada nora Diana tinha de melhor (apesar do filme jamais tentar canonizar a imagem da ex-princesa).

Merecedor dos inúmeros prêmios aos quais vem sendo indicado, “A Rainha” é genialmente bem dirigido por Stephen Frears (basta observar a saída que ele encontra ao narrar a morte de Diana). Tecnicamente impecável, é um filme que faz jus a sua majestade não só por ter duas excelentes interpretações como núcleo (e acreditem, Hellen Mirren quase nos faz reverencia-la), mas pela habilidade com a qual nos apresenta o poder de uma figura, uma “simples” mulher. É sem dúvidas um grande filme sobre um símbolo ainda venerado pela sua quase inexplicável realeza milenar.

por Alvaro André Zeini Cruz, ainda ocupado reverenciando sua majestade