domingo, 15 de novembro de 2009

2012

Há duas coisas em que o diretor Roland Emmerich é inegavelmente bem sucedido: a primeira é em criar catástrofes mundiais, muito embora a vista aqui tenha, em alguns momentos, me dado a impressão de estar num brinquedo da Disney World, onde tudo explode, desaba ou se choca em seu devido lugar e tempo, sem jamais criar uma ameaça real aos “passageiros” da atração (aqui, os personagens do filme). A segunda é construir a imagem de uma determinada figura.
Em Independence Day (1996, ou seja, era Clinton) vimos o presidente americano vivido por Bill Pullman liderar o ataque aéreo feito à nave alienígena. Em O Dia Depois de Amanhã (2004, era Bush), a imprudência diante as questões ambientais gera a catástrofe e faz com que os americanos peçam asilo à países do terceiro mundo. A primeira vez em que vemos o presidente americano em 2012, ele adentra uma sala e se aproxima da câmera colocada a altura da cintura, ou seja, a princípio, nós não estamos à altura desta figura emblemática. Mas a câmera sobe e logo encaramos o presidente de frente: inicia-se assim, neste simples movimento de câmera, a construção de uma “nova” imagem de governante, que contradiz e redime a vista no filme catástrofe anterior, aproximando-se mais do presidente visto no filme de 96. Coincidentemente, ou não, o presidente americano em 2012 é negro, e condiz com o ideal de governante buscado pelos americanos na figura de Barack Obama, e basta repassarmos alguns momentos do filme para comprovarmos tal
ideia.
Em seguida a apresentação do personagem (vivido por Danny Glover), vemos o primeiro encontro do presidente com a filha. A moça chega, por algum motivo, furiosa à sala do pai, e o presidente imediatamente dispensa o cientista e o assessor que o acompanhavam, afinal, antes de um líder político, ele é um pai de família. Durante o diálogo entre pai e filha, o homem evoca a memória da já falecida esposa. Pronto, temos construídas aí duas camadas de um mesmo personagem: o governante e o pai. A próxima surgirá adiante, quando o homem, humilde, reconhecendo sua impotência diante à catástrofe, ora numa capela: além do governante e do pai, temos aí o homem de fé. Por fim, a cena em que ele abre mão da própria salvação (claro, que sem que a filha saiba, afinal a família deve ser resguardada) para viver seus últimos instantes em solo americano, dispondo-se até mesmo a encontrar os pais de uma garotinha: a construção é assim completada, e a figura símbolo do poderio norte-americano, é agora um homem do povo, disposto a sacrificar-se por ele sem jamais abandoná-lo. Ao encarar a morte, o presidente rememora pela segunda vez a falecida esposa, evocando assim outro ponto bastante importante do filme de Emmerich: a família como única fonte de salvação.
Saímos de um núcleo e vamos a outro. No centro agora, o pai americano comum (John Cusack), e a família desestruturada. O apocalipse vem para reestruturar esse núcleo familiar, reaproximar pai e filho (tal como em Guerra dos Mundos, O Dia Depois de Amanhã e Presságio), esposa e ex-marido e fazer com que a garotinha supere algo e deixe as fraldas. Tudo o que não pertence a esse núcleo não merece salvação e é eliminado assim que sua função na jornada é concluída (exemplo, o segundo marido da mãe, que permanece vivo enquanto sua presença é necessária para auxiliar na fuga). Tudo o que é considerado imoral, também (a amante do russo e o próprio russo). A moral griffithiana encontra ressonância no cinema apocalíptico de Roland Emmerich, que faz cada vez mais um cinema plano, calcado em efeitos especiais e estereótipos moralistas. E se os outros dois filmes tinham algum interesse, 2012 revela-se um amontoado de clichês que se estendem mais do que o necessário, desembocando num terceiro ato, que, por sua vez, desenrola-se numa versão apocalíptica desnecessária do Destino de Poseidon. Ou seja, nada que compense/justifique quase três horas numa sala de cinema.

por ALVARO ZEINI CRUZ

BASTARDOS INGLÓRIOS

Durante toda a sessão de Bastardos Inglórios, outro filme fez-se recorrente em minha memória. Não, não me refiro às já bastante comentadas referências que Quentin Tarantino faz a Serge Leone, nem a Brian De Palma dentro de seu novo filme, mas sim a uma obra dirigida por Alfred Hitchcock, estrelada por Ryan Milland e Grace Kelly em meados da década de 50. Enquanto via Bastardos Inglórios, Disque M para Matar não me saia da cabeça.
Era, no mínimo, intrigante essa associação quase que estapafúrdia entre dois filmes que aparentemente pouco têm a ver um com o outro, realizados por cineastas um tanto quanto díspares, sendo Hitchcock um mestre do ilusionismo clássico, enquanto Tarantino, um comentador irônico e nada discreto do próprio Cinema. Afinal, em que ponto se dava a ligação entre essas obras? Onde, como, quando ou por que o filme de guerra de Tarantino se tangenciava (na minha cabeça) ao suspense de assassinato de Hitchcock? Tais questões só me foram respondidas quando deixei de pensar em Bastardos Inglórios como um todo, para enfim analisar a narrativa a partir de sua gênese, tal como ela nos fora apresentada desde o princípio: de forma capitular, episódica.
Já há alguns anos não revejo Disque M para Matar, mas vamos lá: tínhamos ali um encontro entre duas partes (antigos colegas de escola) e a partir desse encontro um jogo, uma chantagem, se desenvolvia a partir de uma intriga, tudo fortemente ligado ao diálogo e delimitado ao espaço cênico da sala de estar de um apartamento. Pensemos agora no prólogo de Bastardos Inglórios, na cena referencial a Leone: do horizonte, surge o inimigo que é contraposto à família em sua aparente normalidade. O inimigo é convidado a adentrar a casa e um falso jogo de cordialidade entre os lados é estabelecido. Desse encontro surge a intriga e ambos os lados tentam provar suas “teses”, criando-se assim um sentimento de dubiedade no espectador: afinal, quem é a figura mais forte do embate, o fazendeiro LaPadite ou o Coronel Hans Landa? Tal jogo é dilatado até o limite em que um dessas duas figuras cede a pressão psicológica e “cai”: é a deixa para que a violência entre em cena e encerre o capítulo.
Esse esquema se repete durante o filme, e se faz presente tanto no momento em que Shoshanna é colocada frente a frente com o próprio Landa, o executor de sua família, quanto na longuíssima sequência ambientada dentro de um bar. Em ambas as cenas temos uma repetição da situação hitchcockiana de Disque M para Matar: dois lados, uma intriga, a suspensão, a força do diálogo, e, por fim, o espaço, como elemento delimitador. Nesta última cena, no entanto, tudo isso é potencializado, e se Hitchcock declarara que seria capaz de fazer um filme inteiro dentro do espaço ínfimo de uma cabine telefônica, Tarantino faz algo assim ao exercitar sua mise en scène dentro de um espaço limitado, povoado por um número razoável de personagens, dividido em pelo menos três diferentes focos de ação (as duas mesas de clientes e o espaço do caixa). É, provavelmente, o momento síntese de Bastardos Inglórios: um filme que, assim como toda a obra de Tarantino, está extremamente calcado na imagem. Não só na imagem, mas no próprio Cinema (não à toa, o Cinema torna-se a principal arma na vingança de Shoshanna), e como o Cinema há muito deixou de ser só imagem, encontramos aqui o som. O palavrório excessivo aqui não é muleta, ele coexiste com a imagem e encontra uma força própria, que corrobora na dilatação, na suspensão, no fortalecimento da intriga e dos turn-points que fazem parte do suspense. Tal como fazia Hitchcock em Disque M para Matar (e em tantas outras obras). Álias, vale a ressalva: há uma diferença básica entre os dois filmes. Hitchcock considerava Disque M para Matar um filme menor. Aqui, Tarantino pontua, com razão, pela boca do personagem de Brad Pitt: Bastardos Inglórios é definitivamente de sua obra-prima.

por ALVARO ZEINI CRUZ

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

AMANTES

A névoa delimita o espaço: pouco se vislumbra do horizonte nova yorkino do alto da laje do prédio. O ambiente corrobora para uma opressão dos personagens, algo que será potencializado pela mise en scène, pelos corpos que se contrapõem. Leonard (Joaquim Phoenix) deixa o papel de títere que costumara ocupar sempre que estava com Michelle (Gwyneth Paltrow), para, enfim, se tornar controlador da situação. Ele a coloca literalmente contra a parede. Ela, que até então o usara, e que vê agora seu mundo desabar, olha por um rápido instante para a câmera, como se pedisse ajuda ou uma interferência qualquer, afinal ou se entrega àquele que ela mesma chamara de irmão, ou corre o risco de perder o único porto seguro que lhe resta num momento difícil. Ele se declara; ela vendo não ter saída, permite-se ser beijada. O sexo ocorre com ela ali, encurralada, prensada na parede, enquanto ele vê na fragilidade dela a situação propícia para a mais desesperada das tentativas de conquistá-la. Trata-se de um encontro amoroso, mas poderia muito bem ser um jogo no exato momento do xeque-mate. Os papeis se invertem, e não à toa, o diretor James Gray se permite filmar o sexo num close focado no rosto dos atores-personagens, ou seja, naquilo que realmente interessa ao filme.
Pois Amantes é um filme que procura o rosto, a expressão, o gesto mínimo, a maneira como Leonard leva as mãos ao bolso no primeiro encontro que tem com Michelle, ou o olhar de uma excitação quase que pueril que ele dá à janela quando a luz vinda do apartamento de Michelle invade seu quarto. Leonard é, na verdade, um adolescente preso ao corpo de homem aparentemente amadurecido, mas que, no entanto, procura driblar o stabelishment que lhe tem sido imposto. Isso se reflete em suas ações, seja no voyeurismo infantil que tem pela paixão platônica, que faz com que ele se esgueire pelo quarto para não ser visto, ou na fuga sorrateira no meio da noite, simplesmente para que os pais não percebessem sua ausência. Michelle, mais do que a mulher amada, representa uma subversão, um retorno àquilo que ele tivera mas perdeu, uma libertação do zelo dos pais, uma forma de reencontrar-se com si próprio.
Mas Michelle é “cruel” e faz um jogo de morde e assopra. Não quer Leonard como homem, mas o quer como apoio; não quer o sexo, mas se entrega por saber o quão aquilo é importante para mantê-lo ao seu lado. Mais adiante, ela aparece à janela do apartamento, alta, distante, cercada por grades de ferro. Faz contato com Leonard e dali lhe mostra os seios. Não é boba, sabe que precisa instigar a paixão/obsessão do outro, mesmo permanecendo ali quase inatingível. Leonard se deixa levar, ao mesmo tempo em que mantém um relacionamento com Sandra (Vinessa Shaw), estabelecendo uma relação semelhante a que ele próprio mantém com Michelle, havendo aqui nova inversão dos papeis: se Michelle usa Leonard, ele faz o mesmo com Sandra, não por desgostar da moça, ou por tentar atingir a outra, mas por saber que entre ficar com o ideal (Michelle), o possível (Sandra), e o nada, é melhor manter uma carta na manga.
No fim, é isso que importa ao filme: escolhas possíveis, escolhas impostas, não escolhas. Em determinado momento, Leonard para de frente ao mar. Quando as ondas quebram aos seus pés, percebe que aquilo que tentara em outro momento da trama, já não lhe é mais opção. Recolhe seus restos e cacos e volta para casa. Talvez tenha crescido, talvez não. O fato é que se conformara, sua inquietude se aquietou, e dentre os poucos caminhos que lhe foram dados, escolheu o que era possível, mesmo que esse possível não signifique exatamente plenitude ou felicidade.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

À DERIVA

Filipa bóia na água: metade do corpo submersa (e é essa a parte que vemos a princípio), a outra metade exposta. É assim, dividida, submersa em um mundo, escancarada em outro, que Filipa nos é apresentada, e é assim que ela continuará durante a trama. Ora menina, ora mulher, Filipa pende entre os opostos conforme assiste o casamento dos pais naufragar.
Dizer que Filipa não age seria uma inverdade: ela age, porém suas ações pouco importam para o destino daquela relação. Assim, sempre que a garota propõe uma ação, uma provocação, a verdade lhe retorna com força arrebatadora e desconcertante. Ao revelar a traição do pai, ela imediatamente leva um golpe ainda maior da mãe; ao entregar-se pela primeira vez ao affair da amante do pai, por puro mimo, protesto, revanche, é acolhida por esse mesmo pai, que outrora ela rejeitara. Filipa age, mas não é personagem ativa. Continua ali, estagnada, impotente, à deriva diante do desmoronamento familiar. Heitor Dália, cuja marca maior era, até então, o cinismo evocado por personagens solitárias, coloca aqui não só um sentimento real, a sensação de impotência e desproteção daquela menina que cada vez mais não sabe a quem recorrer, como cria pela primeira vez um universo em que relações humanas reais são cabíveis ou possíveis, mesmo que delas nada surja de bom.
Se em Nina e O Cheiro do Ralo, a busca de Dália era por um não-realismo, um artificialismo acrescido de figuras misantrópicas, quase alegóricas, em À Deriva ele procura, pela primeira vez, o contrário, um naturalismo que corrobore com a verossimilhança das relações daquele universo calcado no ócio e no não digerir das mágoas. Essa realidade atinge Filipa, a protagonista, e afeta sua relação com os demais personagens. No entanto, não perpassa aos pais dela, e a relação entre Mathias (Vincent Cassel) e Clarice (Débora Bloch) acaba sofrendo ressonância do mesmo artificialismo recorrente nas figuras criadas em filmes passados do diretor, algo que, se era parte intrínseca dos demais universos, soa aqui como corpo estranho ao filme. Assim, os personagens tornam-se realistas sempre que contracenam com Filipa, mas não quando dialogam um com o outro, ou seja, não há a preocupação real com o que afeta aquele casamento, apenas com como essa crise da relação afetará a garota (ainda que a interpretação de Debora Bloch mereça aplausos justamente por não se entregar à excessos e clichês).
Utilizando uma câmera sempre rente aos personagens, e que, diversas vezes, de tão próxima cria uma série de fragmentos que formam um todo, À Deriva acaba, de alguma forma, dialogando com o recente Feliz Natal, de Selton Mello, e consequentemente com O Pântano, de Lucrécia Martel. Aqui, no entanto, o cinismo e uma possível descrença na humanidade acabam extrapolando de algum lugar além do filme. Não é predominante, mas acontece, está presente, tanto quanto o sentimento injetado através de Filipa, a intorpecência da garota que vê de perto o esfacelamento da própria família, esse sim um sentimento que habita diegése. A relação entre Mathias e Clarice é, portanto, tão essencial ao filme, por atingir à filha, quanto nociva. Tem-se aí um paradoxo.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

MOSTRA O SEU QUE EU MOSTRO O MEU

Às vezes desconfio do cinema universitário. Ou melhor, desconfio de parte do cinema universitário que se propõe poético (é sempre bom evitar generalizações). Não que eu ache a poesia, a experimentação ruim, pelo contrário, acredito que não há ambiente mais propício para ela do que a própria universidade, porém, ao ver a quantidade de obras que se pretendem poéticas/experimentais presentes em mostras como o “Mostra o seu que eu mostro meu”, realizada pelos alunos da FAP/CINETVPR (da qual também faço parte como discente), fico com o pé atrás pela seguinte questão: será que nessa busca dos alunos pela experimentação, pela poesia, não existe uma preguiça, ou mesmo um temor, de se tentar o clássico? Será que esse cinema experimental não traz um pseudo-conforto de que tudo, inclusive os erros, podem se tornar linguagem?
Enfim, trata-se apenas de uma provocação que faço após assistir as sessões de documentário e ficção exibidas na mostra (isso porque não cheguei a tempo da mostra Experimental!), em que pelo menos seis filmes (Oscar 07/01, Abranches, Cristo Morto de Mantegna, O Fenômeno da Paisagem, Hollywood e Os Silentes Sinceros) iam, de alguma maneira, contra à narrativa clássica, seja da ficção ou do documentário, podendo assim ser colocados como experimentais. Curioso, no entanto, é notar que três desses filmes se apoiam sobre o recurso da voz off, enquanto apenas os outros três conseguem se estruturar imagéticamente (Oscar, Abranches e Cristo Morto). O experimentalismo desses três últimos me parece, portanto, mais consistente do que o dos demais, pelo simples fato de propor uma poesia através da forma (gosto, sobretudo, de Oscar, que me remete ao pouco que vi dos trabalhos de Jonas Mekas e Stan Brakhage, e Cristo Morto, que de alguma forma questiona a consistência da imagem) e não pela simples criação de universos metafóricos, recheados de citações (Os Silentes Sinceros, e de certa forma, O Fenômeno da Paisagem), nem pelo uso de imagens de arquivo, que remontadas, tentam achar alguma poesia-homenagem (Hollywood). No meio disso tudo, Estafeta e –Fuso, foram quase que OVNIs, por serem os únicos representantes do documentário “talking heads”, o participativo, que trabalha com entrevistas, embora –Fuso disfarce a entrevista em meio à observação. Por fim, Pastoreio, do qual falei brevemente em minha cobertura sobre o FBCU, e reafirmo: é um documentário muito mais importante pelo retrato de um espaço de ruptura, do que pelo personagem. É interessante ver o contraponto daquelas ovelhas em choque com a cidade, contrapostas ao ambiente urbano e ao lazer das pessoas que se exercitam pelo parque. Mais ainda, é constatar o contraste da forma (enquadramentos rígidos) com o acaso sempre presente ao filme documental (a cena das garotas que fotografam com as ovelhas, a fala do homem que se refere ao colega como artista da Globo, as ovelhas e o pastor correndo para atravessar a rua).
Agora o polêmico Com as próprias mãos. Pode-se até considerá-lo um filme corajoso, pelo fato de se colocar no meio universitário como um suspense de carnificina, a la Jogos Mortais, Albergue, etc. Acredito ser, no entanto, um filme equivocado, pelo simples fato de não saber se está mais para Funny Games, de Michael Haneke, ou para a já citada franquia Jogos Mortais. Essa indecisão afeta diretamente a mise-èn-scene e, sobretudo, o trabalho de câmera. O resultado, é uma câmera que, ora se esgueira para espiar a ação, sem jamais vê-la por inteiro (aqui a ideia de Haneke de que, ao jamais explicitar a violência imageticamente e sim sugestionando-a ao espectador, algo que pode ser tão violento quanto, incita o voyeriusmo de um observador não privelegiado), ora escancara o resultado dessa carnificina, seja pelo sangue que jorra das feridas do torturado ou até pela imagem de um dedo amputado. O filme acaba caindo em contradição ao colocar essas duas vertentes, a câmera se desorienta diante aquela heroína clichetípica do “olho por olho, dente por dente”, e Com as próprias mãos acaba sendo um filme que aborda a violência sem antes deglutí-la, sem saber ao certo como tratá-la. É por isso que ela se torna gratuita.
Em seguida a Com as próprias mãos, filmes realizados unicamente com o intuito de divertir (seja a nós, público, ou a eles próprios, realizadores). Le Temps faz uma sátira crítica à venda dos inúmeros produtos milagrosos vistos na televisão, Platô satiriza o set de filmagem de uma produção (universitária?), Filme Legendado, traz uma situação improvável, recheada com algumas boas sacadas, e Valentim… bem, é um filme de amigos reunidos. Por fim, O Muro, filme singelo que encontra na decupagem e na montagem elementos essenciais para aquilo que às vezes parece despretencioso demais: contar uma história, causar alguma comoção.
Agora, filmes e comentários à parte, é importante parabenizar não só à produção da Mostra, como também os alunos participantes, independente das minhas opiniões pessoais elencadas acima ou da recepção dispensada pelo público durante a sessão: cumpriu-se ali o intuito de um espaço em que colegas de uma mesma faculdade pudessem conhecer trabalhos uns dos outros e exibir exercícios tão importantes nesse processo de aprendizagem. Afinal, filmes são feitos para serem exibidos, não engavetados ou guardados debaixo do colchão. Dito isso, assumo minha negligência ao perder a data de inscrição desse 2° Mostra o seu que eu mostro o meu, realizado pelos alunos do curso de Cinema e Vídeo da FAP/CINETVPR.
por Alvaro André Zeini Cruz

terça-feira, 8 de setembro de 2009

HARRY POTTER E O ENIGMA DO PRÍNCIPE

A série Harry Potter é hoje um tipo de bicho em extinção: mesmo pertencendo a um cinema mainstream é a típica franquia da qual pode-se esperar uma realização minimamente interessante acrescida de alguma autoralidade. Nem sempre foi assim: vide os dois primeiros episódios dirigidos por Chris Columbus; ambos corretos e só. Potter, porém, adquiriu vida própria sob a tutela de Alfonso Cuarón, em O Prisioneiro de Azkaban (até aqui o melhor da série), filtrando sua magia sobressalente através de um realismo evocado principalmente pela relação moral estabelecida entre seus protagonistas. Em O Enigma do Príncipe, David Yates parece compreender a importância desse equilíbrio à trama, inserindo uma série de respiros ao caráter de urgência presente desde o filme anterior. A evolução é clara: se em A Ordem da Fênix os personagens além do protagonista eram sacrificados em prol de uma urgência desembestada basedada num roteiro menos trabalhado, aqui, uma tridimensionalidade dos personagens é retomada e isso só faz acrescentar ao filme. Não à toa, o elenco ressurge: veteranos como Michael Gambom e Alan Hickman têm oportunidade de realçar a complexidade de seus personagens, e até mesmo Daniel Radcliffe, um possível equívoco da série no passado, reaparece mais à vontade agora que Harry se aproxima da idade adulta, com suas tragédias já amadurecidas e uma consciência de que seu papel de herói é irreversível (ainda que Emma Watson continue sendo o ponto forte do trio protagonista).
É inegável que Radcliffe ganha muito com o amadurecimento do próprio personagem. Ele já não é apenas o herói eleito, ou o adolescente intempestivo dos últimos três filmes (algo que prejudicava especialmente o episódio anterior, excessivamete focado no protagonista). Potter é agora um rapaz em fase de transição para a idade adulta, algo que é abordado não somente através dele, mas também de seus companheiros Rony (Rupert Grint, em seu melhor desempenho durante a série) e Hermione (Watson). A rotina escolar, os relacionamentos, voltam a estar presentes na trama de forma semelhante a que estiveram em O Cálice de Fogo, só que mais bem acabada (o capítulo comandado por Mike Newell pecava por ser episódico demais). Aliás, Yates atinge com maior eficácia e fórmula proposta por Newell no quarto episódio: uma mistura da magia encantadora concebida nos filmes de Columbus (que de tão excessiva tornava-se prejudicial) e do tom sombrio estabelecido graças a Cuarón, acrescidos agora dessa urgência de uma guerra eminente, colocada pelo próprio Yates.
A cena em que Potter encontra-se numa lanchonete trouxa acaba tornando-se assim uma síntese da atmosfera vista em O Enigma do Príncipe, especialmente num determinado plano em que ele permanece sentado na mesa tendo uma janela ao fundo: as cores quentes e aconchegantes de dentro do estabelecimento contrastam à paleta acinzentada e ameaçadora vista do lado de fora. A ideia de um mundo sucumbindo às trevas, mas que ainda assim mantém alguns poucos pontos de segurança é explicitada e perpassa o filme. As cores quentes predominam em cenários como “a Toca”, a loja dos Weasley e a torre da Grifinória, e desaparecem gradualmente até que o filme mergulhe no universo sombrio que domina todo o terceiro ato, em que Yates, por sua vez, exacerba a eficácia de sua decupagem ao, por exemplo, dilatar a tensão da cena da caverna e narrar o desfecho desta mais tarde. Hogwarts, por sua vez, deixa de ser um lar idealizado ao protagonista. A escola acolhedora que nos foi apresentada tranforma-se assim num cenário mal iluminado, cada vez mais propício a esconder segredos e/ou revelar ameaças.
Adaptado por Steve Kloves com maior liberdade do que de costume, O Enigma do Príncipe “sacrifica” dois personagens que desenvolvem-se menos do que deveriam: o primeiro é o próprio vilão Voldermort, de quem conhecemos um pouco mais do passado através de alguns flashbacks. O segundo é Neville Longbottom, um colega de Harry que ganharia destaque por aqui para exercer papel importante mais adiante, em As Relíquias da Morte. O prejuízo, na verdade, é pífio: ao sexto episódio interessam Harry, Rony, Hermione, Dumbledore, Snape e Draco Malfoy, que pela primeira vez ganha algum aprofundamento ao revelar uma tragicidade quase equivalente a do próprio protagonista. O Enigma do Príncipe apresenta, porém, uma segunda função: a de extinguir os últimos resquícios de inocência de um mundo encantado, para, por fim, dar início à perigosa jornada que aguarda os protagonistas fora dos domínios de Hogwarts. Que venham então as duas partes de As Relíquias da Morte: afinal, já era tempo de Potter crescer.

por Alvaro André Zeini Cruz

quinta-feira, 30 de julho de 2009

FOI APENAS UM SONHO

Na sequência de abertura de Foi Apenas um Sonho, vemos Frank (Leonardo DiCaprio) e April Wheeler (Kate Winslet) em dois momentos contrastantes: a príncípio assistimos ao intenso entusiasmo do instante em que ambos se conhecem, para logo em seguida vermos Frank numa desconfortável posição de marido impotente que vê a esposa se expor ao ridículo. April acaba de se apresentar numa peça fracassada, e o hobbie que deveria lhe proporcionar algum prazer, acaba gerando apenas frustração e constrangimento. Tanto que num dos melhores planos do filme ela está em frente ao espelho tirando a maquiagem, quando o marido (DiCaprio) entra. Ela imediatamente desvia sua atenção para ele como se desejasse um consolo, um afago, algo que não se concretiza. Ao invés disso, Frank Wheeler limita-se a dizer que a peça não foi boa o bastante e o olhar da esposa vai rapidamente do anseio à decepção. Se April é uma mulher frustrada até mesmo em seu escapismo, que dirá em seu papel como mãe e esposa. É em torno dessa frustração do americano médio que gira o filme de Sam Mendes, que marca seu retorno ao subúrbio americano, cenário de seu filme de estreia (e sim, vou contra a corrente, já que gosto de Beleza Americana).
Aliás, as críticas e ironias certas vezes rasas, mas ainda assim dotadas de alguma intenção, de American Beauty, são ao menos honestas se comparadas ao que ocorre aqui. Se a opção de Mendes por se manter distanciado da ação revela-se curiosa, ela cai por terra quando esse distanciamento se confunde com falta de posicionamento. Tomemos como exemplo Mike Nichols, que tem ao menos dois filmes situados num universo semelhante: em Closer sua câmera contenta-se em observar o que está em quadro, enquanto a mise-en-scene apropria-se de ocupar o espaço cênico. Isso de alguma maneira interfere na construção dos personagens, permitindo que eles se tornem multifacetados e revelem suas características de forma fragmentada. Em Apenas um Sonho, tudo o que nos é oferecido do personagem vem da interpretação (e nesse ponto Winslet sai ganhando), já que o que vemos ali, nada mais é do que um recalque do que nos foi dito em Beleza Americana, ou seja, a “revelação” da decadência da família americana e do american way of life. Como se não bastasse, Mendes renuncia ainda a oportunidade que tem de transformar a rua homônima ao filme (o título original é Revolutionary Road) numa espécie de personagem ativa, cárcere do casal protagonista, limitando-se assim à obvia ironia de que ali nenhuma revolução é possível.
Por fim, Kate Winslet revela-se pela segunda vez consecutiva, o elemento de maior consistência de um filme, podendo-se dizer o mesmo de O Leitor, de Stephen Daldry, que ao menos, reconhecia suas limitações. Em seus melhores momentos, Winslet comprova sua versatilidade como atriz ao compor uma atuação introspectiva baseada em pequenos gestos como o olhar descrito no primeiro parágrafo. Em outros, porém, deixa-se influênciar pela interpretação excessivamente marcada de DiCaprio, e ambos se entregam a um overacting quase teatral. São esses os momentos que nos remetem de volta a Nichols, mais especificamente a Quem tem medo de Virgínia Wolf?, com a única diferença de que ali a coisa era toda planejada e o filme tinha ao menos uma personalidade.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

domingo, 12 de julho de 2009

NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA

“Quando me propus a fazer o meu próximo filme, queria fazer um filme com gente de verdade – uma comédia, mas com gente de verdade. Queria fazer um filme em que eu represente a mim mesmo, a Diane Keaton faça ela mesma e a gente more em Nova York, com os conflitos reais do nosso relacionamento, em vez de uma ideia muito extravagante”.1

Tal fragmento é retirado de uma entrevista concedida por Woody Allen em 1974, três anos antes da estreia de Annie Hall (aqui Noivo neurótico, noiva nervosa). Tratava-se de uma antecipação do próprio filme: uma comédia urbana estrelada por ele e Diane Keaton (na época sua esposa), que trazia não apenas características marcantes de sua carreira (como o humor através de esquetes), como inúmeras referências de teor auto-biográfico. Muito do que se vê em Alvy Singer (o personagem) é deslocado do próprio Allen e tudo é exposto na obra: a paixão de dele por Fellini, sua preferência pelo movimento da metrópole à tranquilidade bucólica, sua carreira como comediante, que começou no stand-up comedy, o infortúnio de ser reconhecido nas ruas (num exemplo de esquete que pouco tem a acrescentar narrativamente a não ser o humor), sua expulsão da New York University, e o próprio relacionamento com Keaton, cujo nome verdadeiro é Diane Hall e o apelido Annie, sendo ela assim o verdadeiro fator desencadeante do filme.
A busca pelo real, por “gente de verdade” está visivelmente inserida em Annie Hall. Segundo Allen, a comédia “exige a realidade”. Isso afeta diretamente sua decupagem. Tomemos uma determinada cena como exemplo: o quadro inicia com Allen e outra personagem se beijando na cama. Desenvolve-se um diálogo a partir daí. Allen se levanta e dá uma volta pelo cômodo, acompanhado pela câmera, deixando a segunda personagem fora de quadro. Ele anda até determinado ponto, para, o diálogo tem continuidade (ela em voz off), ele volta a andar, ela vem de encontro a ele no quadro. A partir daí ela “puxa” a câmera de volta à cama. O quadro é semelhante ao inicial. Allen volta a entrar em quadro, o diálogo termina e a cena se encerra.


Fosse a cena acima decupada de forma tradicional, a utilização de plano e contra-plano seria inevitável: a câmera acompanharia Allen até sua primeira parada e dali iniciaria a clássica montagem de planos entre os dois personagens durante o diálogo. Mas a busca pelo real faz com que o diretor evite o corte e dilate a ação. Segundo ele próprio, numa comédia “...se corta minimamente para não perder o ritmo, sobre o qual tudo repousa”. Mais do que utilizar um conceito rigoroso que prima pela busca por uma realidade, por um não-artifício, o que de certa forma corrobora para uma transparência fílmica (que por sua vez é rompida pelo uso da quebra da quarta parede, por exemplo), Allen propõe que a comédia necessita, além de timing e de uma ecônomia da montagem, também de um espaço cênico para se desenvolver. É, portanto, interessante notar que em sua carreira mais recente, calcada no drama, a partir de Match Point, ele não só deixa de lado essa decupagem/montagem dilatada, como revela-se ainda econômico não na quantidade, mas sim no tamanho dos planos, criando imagens que contenham estritamente aquilo que é essencial para a trama.
Por fim, a realidade não interfere apenas na linguagem e estética do cinema de Woody Allen. Afeta, sobretudo, a construção de seu personagem. Afinal, não seria Alvy Singer apenas uma extensão e recorte do próprio Allen? Não seria esse personagem um interesse comum do diretor, capaz de suprir sua declarada limitação como ator, e que, sobretudo, tem fácil capacidade de deslocamento de uma obra a outra? Ele próprio responde:

“Só posso descrever esse personagem em termos do que conheço: contemporâneo, neurótico, mais orientado para a vida intelectual, perdedor, homenzinho, não lida bem com máquinas, deslocado do mundo – essa merda toda”.2

Intrínsico à cinematografia de Allen está um pessimismo, que se em Annie Hall permanece delimitado à um único personagem, é também exacerbado pelo próprio filme em Match Point, O Sonho de Cassandra e Crimes e Pecados (não à toa, todos calcados em Crime e Castigo, de Dostoiévski). Ao final de Noivo Neurótico, noiva nervosa, Alvy Singer acaba contraposto ao pseudo-otimismo da peça que está dirigindo: “Sabe como sempre tenta fazer tudo sair perfeito em arte, porque na vida real é difícil”.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

quarta-feira, 17 de junho de 2009

VALSA COM O BASHIR

Em Diário dos Mortos, George A. Romero aborda a presença da câmera filmadora inserida dentro do filme como uma espécie de escudo (ou seria arma?) para aquele que encontra-se por trás dela, no caso, um personagem. A câmera é integrada à diegése fílmica de maneira semelhante a ocorrida em filmes como A Bruxa de Blair e os recentes Rec e Cloverfield, ou seja, encontra-se uma desculpa qualquer para torná-la elemento ativo no universo daqueles personagens. Em Valsa com o Bashir, num diálogo entre diretor e entrevistado, vemos o último impor incisivamente ao primeiro: “Você pode desenhar, mas não filme”. Mais tarde, uma terceira personagem rememora as palavras de um fotógrafo sobrevivente de uma batalha ocorrida no ano de 83: “ele pensou ‘Uau! Que cenas fantásticas: tiroteios, artilharia, feridos, gritos…’ Ele olhou para tudo como se tivesse uma câmera imaginária”. Esses dois momentos exacerbam muito do que há por trás de Valsa com o Bashir: mais do que o resgate de uma memória (que quando registrada se torna documentação), está um filme que, como o de Romero (que por sua vez aparenta um “simples” filme de zumbi), trata do poder imposto por uma imagem, seja para seu receptor ou manufactor, algo que revela-se determinante inclusive na opção por concebê-lo como um documentário em animação.
Adotando características ligadas ao documentário participativo, como o uso de entrevistas e o intervencionismo declarado do diretor, Valsa com o Bashir revela-se, já a princípio, também um documentário performático (segundo as classificações empregadas por Bill Nichols ao cinema documental), já que é uma busca pessoal do diretor Ari Folman que move a pesquisa. É conversando com um amigo, que Folman relaciona uma única imagem que tem em sua mente à possibilidade de ter sido conivente ao massacre ocorrido em 1982 durante a guerra entre Israel e Líbano, em que milhares de palestinos foram executados. Voltamos, portanto, ao cerne da questão: a procura de Folman inicia a partir desta única e misteriosa imagem, que perturba o diretor/protagonista e desencadeia essa revisita a um passado que, devido a um trauma, tornou-se para ele incógnito.
O uso da animação faz com que esse passado brutal assuma a tela de forma estilizada, talvez visualmente menos truculenta do que seria caso houvesse existido uma reencenação real dos episódios narrados (as histórias contadas pelos entrevistados não se delimitam ao texto e acabam também invadindo a tela), porém, ainda assim intensa, principalmente pelo fato do autor-protagonista permanecer longe do escudo-câmera. Ari Folman não só documenta um passado, como lança um olhar crítico ao cinema: se para Romero, em Diário dos Mortos, a câmera propicia uma pseudo impressão de poder e proteção, criando assim uma barreira entre os que estão diante e os que estão por trás dela, para Folman ela pode ser tão letal quanto as armas carregadas pelos soldados, sendo sua criação (a imagem) um elemento de inegável força. Força que aqui desencadeia um filme, assim como o encerra: ao final, a animação dá lugar à imagem real, à imagem da câmera, que surge voraz para pontuar o filme.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ (voltando a ativa por aqui!)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?

É impossível permanecer inerte ao “melhor filme de 2008” tendo este chegado ao circuito nacional acompanhado de inúmeras críticas, algumas dissonantes, como a de Sylvia Colombo, da Folha de São Paulo, contra uma maioria convergente, dentre as quais encontram-se a de Marcelo Miranda, da Filmes Polvo (cujo título sugestivo é “Quem Quer Ser um Milionário? e seu mergulho na merda”), e talvez a mais ferina delas escrita por Inácio Araújo, um dos mais importantes nomes da crítica cinematográfica atuantes no Brasil, também da Folha de São Paulo.
O fato é que tanto Marcelo quanto Inácio são eficazes e coerentes em pontuar as irregularidades de uma obra cuja moral e a ética são visivelmente tortuosas. QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? traz em seu cerne narrativo a típica fábula de superação protagonizada por um indivíduo lançado na conhecida jornada do herói. Até aí nada fora do comum, não fosse um único porém: para chegar ao prêmio de 20 milhões de rúpias de um programa televisivo, o jovem indiano Jamal terá que “mergulhar” (e pode-se dizer que literalmente) numa trajetória cuja degradação é o mínimo a se esperar, ou seja, para chegar ao topo, ele terá antes que passar pelo fundo do poço. Marcelo Miranda pontua certo, portanto: a sequência do mergulho nada mais é do que a síntese de uma obra que potencializa essa diferença entre patamares ocupados pelo herói.
Mas há algo que joga ao mesmo tempo contra e a favor de QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?: o simples fato dele ser o que se apelida de “filme de roteiro”. Tudo é o mais simplório possível: sempre que Jamal chega a uma nova etapa do programa, a narrativa retorna ao passado do protagonista e revela a resposta, delimitando-se assim a ação dramática crescente e seus respectivos turn-points. Tudo se torna rapidamente óbvio e assim inicia-se uma operação inconsciente de desmascaramento do artifício: o roteiro visivelmente perneta exacerba ao receptor (o público) meio que sem querer o jogo de manipulação que se dá através do filme. Cria-se uma dupla possibilidade de reações: a de um total afastamento por parte desse receptor, abrindo-se assim a possibilidade de um olhar mais crítico perante a obra, ou a simples experiência de observar uma história de forma descompromissada (fazendo com que ela se torne esquecível em 5 minutos) ignorando todo o discurso que há por trás da narrativa. Pode-se dizer assim que a transparência fílmica é quebrada pela potencialização dos inúmeros artifícios presentes no conto de fadas pop de Danny Boyle e isso, bem ou mal, atenua um pouco a culpa de um filme cuja visão é tão equivocada quanto a forma com que ele tem sido visto tanto por seus defensores, como por seus inquisidores. QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? torna-se, portanto, um filme melhor graças à sua incompetência em manipular o espectador.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

terça-feira, 31 de março de 2009

GRAN TORINO

Primeiro A TROCA. Depois GRAN TORINO. Duas obras extremamente autorais, sob a tutela da um dos mais conhecidos autores norte-americanos, lançadas num curto intervalo de tempo. Um Clint Eastwood em sua essência: um filme um tanto quanto “torto”, “mal aparado”, com “imperfeições” visíveis, mas ainda assim um grande filme. Um cinema que prima pela busca por uma determinada simplicidade, que se faz presente seja na fotografia ou na direção de arte sempre pálidas e, se não for heresia dizer, até mesmo “empobrecidas”.
Aqui, Eastwood cria por trás e em frente às câmeras. Seu personagem Walt é figura arquetípica num roteiro repleto de situações semelhantes, quando não estereotipadas. Walt é um personagem intrinsecamente ligado à carreira de seu intérprete: homem viril, embrutecido, que “rosna” sempre que algo lhe desagrada, quase um caubói envelhecido, deslocado de seu tempo e espaço, confrontado por situações avessas a seus ideais através de um roteiro que tem como base o estereótipo (a gangue, os vizinhos asiáticos, a família interesseira e mal agradecida) e parte dele para um processo de desconstrução ou potencialização. Ou seja, em determinado momento, a gangue deixa de ser simples elemento de conflito para se tornar enfim uma verdadeira ameaça, enquanto a vizinhança deixa de ser um contraponto bem humorado em relação ao protagonista, para transformar-se numa espécie de redenção para o próprio. Walt, por fim, é um ser que evolui a olhos vistos durante o desenrolar do filme: não fosse isso, o destino do justiceiro ao final do filme poderia ser outro.
Embora muitas das situações provocadas pela rabugice de Walt contenham certa graça, e a ternura desajeitada com que é retratada a relação entre o velho e seus vizinhos dê certa leveza ao filme, GRAN TORINO é um filme embrutecido desde sua confecção (e muitas vezes há uma despreocupação estética inclusive com conceitos ligados à narrativa clássica como a construção de eixos), se tornando cada vez mais duro ao se aproximar da tragédia que ronda seu terceiro ato, tangenciando-se assim o já citado A TROCA e a(tirar) SOBRE MENINOS E LOBOS (e como neste último, temos aqui um filme em que um universo violento, viril e masculinizado vem à tona). Serve, porém, como complemento direto a MENINA DE OURO, principalmente pela forma como trata a velhice de um personagem que pode ser encontrado tanto numa carreira mais longínqua de seu intérprete, como num momento mais recente, como fora o caso do treinador do boxe do premiado filme de alguns anos atrás. Assim, Eastwood contrasta duas culturas e duas gerações, criando uma obra que desvenda a velhice partindo de seus marcadores mais arquetípicos até ligá-la à conclusão da trama. Acaba criando um filme tão cruel quanto, mas de final oposto ao filme dos Cohen, cuja tradução literal do título seria “Onde os velhos não têm vez”. Para GRAN TORINO a velhice é acompanhada de um certo pessimismo que tem ares de confronto final, o que não significa que não haja tempo para algumas últimas, porém decisivas mudanças.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sexta-feira, 13 de março de 2009

FEVEREIRO EM COTAÇÕES

1. CAPÍTULO 27, de Jarrett Schaeffer *
2. SPEED RACER, dos irmãos Wachowski ***
3. INVASÃO DE DOMICÍLIO, de Anthony Minghella ***
4. EU, MEU IRMÃO E NOSSA NAMORADA, de Peter Hedges ***
5. QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?, de Danny Boyle ***1/2
6. CLUBE DOS CINCO, de John Hughes ****
7. MILK – A VOZ DA IGUALDADE, de Gus Van Sant ****1/2

terça-feira, 3 de março de 2009

MILK

Em ELEFANTE, Gus Van Sant retratara o conhecido massacre ocorrido na Columbine High School através de uma ótica bastante particular: colocando-se sempre dentro de um hibridismo entre atração e repulsa, mantendo sua câmera a uma certa distância de segurança, mas ainda assim próxima o suficiente para que ela flutuasse magnetizada dentro do cenário, ele filmara figuras que vagavam pelos corredores do colégio, crianças aparentemente anestesiadas, talvez até por um pressentimento da tragédia que estava por vir.
Em MILK – A VOZ DA IGUALDADE, há dois momentos que nos remetem a ELEFANTE. No primeiro, a câmera acompanha um garotinho de costas caminhando em direção ao protagonista. Quando ele finalmente se aproxima de Harvey Milk (Sean Penn), entrega ao candidato um panfleto da campanha de Dan White (Josh Brolin), principal rival de Milk nas eleições. Mais tarde vemos o próprio Dan White caminhando pelos longos corredores de um edifício público através de uma movimentação e posicionamento de câmera semelhantes. Ambos são momentos que anunciam uma tragédia, e faz com que retornemos não só a ELEFANTE, mas a toda a cinematografia recente de um cineasta que usa como recorrência temática a morte.
Em MILK, pode-se dizer que Van Sant retorna a um cinema mais narrativo, o que não significa o total abandono das características marcantes de seus últimos filmes, como a fragmentação e a idéia de fluxo, seja este de pensamentos, ou de reminiscências e imagens, como no caso. Algo potencializado pela câmera na mão (idéia de que a câmera é capaz de ser atraída pelos personagens, bastante presente na obra de Van Sant) e pela montagem que aqui dá constantes saltos temporais, além de inserir na trama imagens de arquivo (e não raramente conhecemos fatos e personagens apenas através delas) e os inserts do próprio protagonista numa espécie de narração que, ora nos introduz na trama, ora nos tira dela, deixando-nos a sós com uma figura ciente da tragédia que a aguarda e que torna-se, portanto, ainda mais interessante.
Aliás, figuras intensas e grandes interpretações não faltam ao filme. Harvey Milk é brilhantemente defendido por Sean Penn, que acerta na posologia de um personagem único, marcado por características opostas como afetação e sutileza. James Franco cria uma figura extremamente tocante através do incondicional apoio e preocupação que tem para com o parceiro (Milk), enquanto Emile Hirsh confirma-se como um dos mais talentosos jovens atores surgidos em Hollywood nos últimos anos, e curiosamente, desta vez contracena ao lado de Penn, que o dirigiu em NA NATUREZA SELVAGEM. Por fim, a hipnótica presença de Josh Brolin, sem dúvidas essencial ao filme: um homem de personalidade e caráter oscilantes, que se contrapõe à chamativa e carismática presença de Harvey Milk, e que, sobretudo, se deixa lentamente degradar por suas frustrações.
A dúvida cerca Dan White: não se sabe ao certo o que realmente o deixa tão ressentido ou frustado (como hipóteses, a inveja da meteórica carreira de Milk e a insegurança quanto à própria sexualidade) e muito menos o que o leva a fazer o que fez. Sabemos apenas que ele renunciara ao cargo e pouco depois voltara atrás. Logo em seguida já o assistimos caminhar pelos corredores, carregando por alguns instantes a mesma angústia retratada no filme anterior de Van Sant, PARANOID PARK. Pouco antes, porém, a tragédia é anunciada: uma ópera abre a sequência final, aquela que tira a vida de Milk e leva Gus Van Sant de encontro a morte. White chama Milk para uma conversa. Trancados na sala, ele saca uma arma e atira. Milk tenta inutilmente proteger-se, mas cai de joelhos e durante a queda vira-se para a janela. Do lado de fora, a ópera, e sobre ela a ostensiva presença da bandeira americana. Em MILK, Gus Van Sant faz de uma cinebiografia um filme sobre minorias. Harvey Milk representa essas minorias e ao final tomba diante da tragédia e sob os olhos do símbolo máximo de sua nação. Uma nação que sempre se vendeu e se vende ainda hoje como defensora da liberdade. E por mais que, ao final, a tragédia acabe se transformando em fonte motivadora, Gus Van Sant encontra de alguma forma as matérias-primas que tem regido seus últimos filmes: a incomunicabilidade e a morte.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O LEITOR

Todo ano é assim: às vésperas do oscar, produções típicas à premiação pululam as salas de cinema (ou não, já que boa parte dos exibidores prefere aguardar a cerimônia e trazer algo concreto do que arriscar-se a trazer algo que além do público escasso corre o risco de sair de mãos abanando). De um lado, produções arquitetadas e realizadas com o intuito de abocanhar o maior número de estatuetas possíveis, o que não corresponde necessariamente à filmes ruins (vide O AVIADOR), mas muitas vezes obras menores ou incompletas (O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON). Do outro, filmes pendentes a autoralidade como geralmente é o caso de Clint Eastwood, e mais recentemente dos Cohen e Paul Thomas Anderson. No meio de campo há sempre meia dúzia de produções mediocres, além de outras obras híbridas a essas duas “vertentes de cinema”. É onde se encaixa O LEITOR, terceiro longa do inglês Stephen Daldry.
Diretor de BILLIE ELLIOT e AS HORAS (ambos nomeados ao Oscar), Daldry chega a sua terceira indicação consecutiva como melhor diretor recebendo as mesmas críticas de outrora: de que faz um cinema excessivamente melodramático, calcado mais em textos do que em imagens, sempre pecando por pesar a mão sobre o politicamente correto. De fato seu cinema tem sim algumas dessas características, muito embora mereça destaque pela honestidade com que conta suas histórias. Tomemos como exemplo BENJAMIN BUTTON: não se trata de um filme ruim, apenas de uma obra perdida em sua própria grandiosidade. Toda a pretensão que a cerca acaba por sufocá-la. Não há dúvidas de que seja um filme com sentimentos, eles apenas acabam limitados a um personagem apático que teme a própria tragédia. Mais uma vez (é bom ressaltar) não faz com que ele seja necessariamente um filme ruim. Trata-se apenas de um filme menor de um diretor (David Fincher) cuja carreira trazia até então pelo menos duas obras-primas: CLUBE DA LUTA e ZODÍACO. Agora voltemos à Stephen Daldry: seu cinema pode não ser lá dos mais criativos e ele sequer nega que seus filmes sejam construídos para emocionar, mas há uma honestidade em sua intenção de contar histórias. Claro que intenções são intenções e filmes são filmes. Mas ainda assim essa extrema vontade de contar algo transcende e, em O LEITOR, Daldry consegue potencializar seu trabalho como diretor ao menos durante o primeiro ato. O restante, é claro, fica a cargo de Kate Winslet.
Durante todo o início da história a interpretação de Winslet é favorecida pela direção de Daldry. Como exemplo, a espetacular sequência do garoto no banho: ele se levanta de costas, e ela que até então se mostrara uma mulher embrutecida, sem qualquer traço de sexualidade, entra com a toalha para secar-lhe os ombros. A princípio vemos apenas as mãos dela em quadro, ensaiando algumas carícias nas costas do garoto. O espectador percebe os indícios da desconstrução daquela primeira impressão deixada pela personagem. De repente o corte faz com que o quadro abra e revele Winslet nua atrás do rapaz. O choque é inevitável: a decupagem, aliada à interpretação da atriz, faz com que a personagem desajeitada, quase masculinizada (vale reparar a postura e os braços abertos, meio estabanados de Winslet nas cenas) dê lugar de um plano a outro a mulher sensual que a partir de então passa a se envolver com o adolescente.
Já no segundo ato Kate Winslet se sustenta com as próprias pernas. Tal como David Cross, que encarna com sensibilidade o jovem Michael Berg. Os personagens de ambos se contrapõem: ele representando a vergonha de uma nação que fechara os olhos para as atrocidades do holocausto; ela, uma trabalhadora desfavorecida, que sem grande discernimento, não tem idéia dos crimes que cometera trabalhando para o partido nazista. Há, um porém: analfabeta, ela prefere prejudicar-se diante de um tribunal do que assumir publicamente que não sabe ler. Hanna é, portanto, uma dessas personagens cuja tragicidade torna capaz de sustentar um filme. Nas mãos de uma atriz com o gabarito de Kate Winslet então nem se fala. Stephen Daldry sabe disso. Assim como sabia quando escalou Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman para estrelarem AS HORAS. Pode-se até acusá-lo de ser um diretor mediano ou dizer que seu cinema é simplório. No ententanto é um cinema honesto em suas limitações, as quais tenta superar através do roteiro e das atuações. Numa comparação entre filmes do Oscar, O LEITOR se assemelha bastante à DÚVIDA: são obras acadêmicas em sua direção, mas que acabam potencializadas graças à suas interpretações. Aqui, Kate Winslet faz mais do que interpretar: ela praticamente cria e carrega um belo filme nas costas e com o consentimento do diretor.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

domingo, 22 de fevereiro de 2009

OSCAR 2009

Tentando ser bastante conciso. Lá vão as apostas:

MELHOR FILME

Na torcida por... Difícil torcer. Principalmente tendo visto apenas dois dos indicados e sabendo que nenhum deles são exatamente obras-primas. ZODÍACO sim era e há dois anos acabou esnobado pela Academia. BENJAMIN BUTTON nem pensar! Fincher terá que esperar mais alguns anos pela estatueta. Já O LEITOR é um belo filme, mas que fique claro que, sobretudo, graças a belíssima interpretação de Kate Winslet. Ou seja, não merece o prêmio de filme do ano. Aliás, a categoria ficaria mais justa e interessante se O NEVOEIRO, WALL-E, BATMAN ou VICKY CRISTINA BARCELONA estivessem presentes. Essas sim grandes obras do ano passado. Mas fazer o que... parece que Woody Allen não tem mais o mesmo charme de antigamente perante os votantes e acho que um revival de John Carpenter não combina muito com o perfil da Academia.
Vai vencer: QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? – Ainda não vi o filme de Danny Boyle, mas há dois anos ele fez um filme assombroso (no bom sentido) chamado SUNSHINE – ALERTA SOLAR.

MELHOR ATOR

Na torcida por... Sem dúvidas a categoria mais acirrada da noite. Não assisti nenhum dos indicados. A disputa está entre Penn (vencedor do SAG) e Rourke (vencedor do Globo de Ouro, o qual dedicou aos cães). E quem Vai vencer, muito provavelmente, é Rourke.

MELHOR ATRIZ

Na torcida por... Kate Winslet. Categoria interessante. Anne Hathaway, uma atriz que há muito me chamava atenção, logo despontou como favorita por O CASAMENTO DE RACHEL (que não vi). Depois, foi passada para trás por Winslet, duplamente vencedora do Globo de Ouro e que mantem certo favoritismo ainda hoje. Porém, Meryl Streep que aparentemente corria por fora levou recentemente o SAG de melhor atriz por sua atuação em DÚVIDA, aumentando consideravelmente suas chances. Sem esquecer Angelina Jolie, numa grande performance num grande filme de Clint Eastwood (aliás, aqui prefiro Jolie à Streep). Quem Vai vencer? Provavelmente Winslet, que já acumula sua sexta indicação. Uma pena apenas ela não ser premiada em seu melhor filme.

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Na torcida por... Heath Leadger, é claro. Robert Downey Jr. é a alma do divertido, inteligente, porém superestimado TROVÃO TROPICAL. Já Philip Seymour Hoffman levou como melhor ator recentemente, e embora seu trabalho em DÚVIDA seja sim digno de um Oscar, preferia tê-lo visto indicado ano passado pelo esnobado filme de Sidney Lumet, ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO.
Vai vencer: Heath Leadger. Alguém ainda duvida?
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Na torcida por... Penelope Cruz (que já deveria ter vencido há dois anos por sua presença hipnótica em VOLVER). Porém, não ficaria desapontado caso Amy Adams ganhasse. Em tempo: embora o trabalho de Viola Davis em DÚVIDA seja magistral, já que ela desenvolve uma das figuras mais belas e trágicas do filme em apenas duas cenas, não se equipara a freira atormentada vivida por Adams, que já havia sido indicada há alguns anos por um belo filme, o independente RETRATOS DE FAMÍLIA, e acabou ignorada ano passado por seu excelente trabalho em ENCANTADA. Ainda assim, Penelope Cruz é parte importante no belo projeto de Woody Allen e isso não deve ser ignorado (já que o restante do filme fora, incluindo a bela presença de Rebecca Hall). Portanto, aposto todas as minhas fichas de que quem Vai vencer é ela.

MELHOR DIRETOR

Na torcida por... Outra categoria difícil de escolher, seja pelos poucos trabalhos vistos ou pela falta de opções. Stephen Dandy tem um belo filme graças a Kate Winslet e é o azarão na disputa. Sua direção academica deve sair de mãos abanando. David Fincher MERECE sair de mãos abanando! Quem mandou ser esnobado por ZODÍACO e CLUBE DA LUTA (risos). Hon Howard é, na maioria das vezes, um diretor mediano. Vez ou outra faz algo muito bom como APOLLO 13 e UMA MENTE BRILHANTE. Ainda assim acredito que a melhor coisa que ele tenha feito até hoje seja a filha Bryce Dallas Howard, atriz bastante talentosa, não à toa descoberta por M. Night Shyamalan. Já Gus Van Sant é um diretor com uma trajetória interessante, seja dentro da narrativa tradicional (GÊNIO INDOMÁVEL) ou de um cinema mais experimental (PARANOID PARK, ELEFANTE). Dele só não simpatizo mesmo com refilmagem plano a plano de PSICOSE. Ainda não vi MILK, mas acho que confio em Gus Van Sant. De Danny Boyle só conheço mesmo o excelente SUNSHINE. É ele a grande aposta da noite. É ele quem Vai vencer: Danny Boyle, pelo filme apelidado de “CIDADE DE DEUS indiano” QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?

MELHOR ANIMAÇÃO

Na torcida por... WALL-E.
Vai vencer: WALL-E.

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Categoria difícil. NA MIRA DO CHEFE é um filme bastante bom e foi surpreendentemente lembrado no Globo de Ouro (aliás, Colin Farrel poderia ter figurarado dentre as indicações). WALL-E é uma obra-prima e minha torcida é por ele. Porém, MILK foi recém-premiado pelo sindicato dos roteiristas. E dependendo de como o filme for nas demais categorias esse prêmio pode vir a se tornar uma justa consolação. Grandes chances de dar MILK na cabeça.

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Como bem pontuou Pablo Vilaça em seu blog, Eric Routh já ganhou esse Oscar por FORREST GUMP e não deve levar por BENJAMIN BUTTON. DÚVIDA tem um bom roteiro, mas é, sobretudo, um filme de atores. Sinceramente, sem eles o script não teria a mesma força. Okay, deve ficar mesmo é para QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? E eu, sinceramente, não tenho preferências nessa categoria.

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE

Vai vencer: O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON
Na torcida por... Eis aqui uma categoria que BUTTON merece ganhar. Muito embora O CAVALEIRO DAS TREVAS e A TROCA também mereçam destaque.

MELHOR FOTOGRAFIA

Vai vencer: QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?
Na torcida por... A TROCA.

MELHOR FIGURINO

Vai vencer: A DUQUESA
Na torcida por... A DUQUESA ou O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON. Tanto faz...

MELHOR EDIÇÃO DE SOM

Vai vencer: BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS
Na torcida por... WALL-E

MELHOR MIXAGEM DE SOM

Vai vencer e na torcida por BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS.

MELHOR MAQUIAGEM

BENJAMIN BUTTON na cabeça!

MELHORES EFEITOS ESPECIAIS

Vai vencer: BENJAMIN BUTTON
Na torcida por... hm... estou dividido entre o homem que vive de trás pra frente e o HOMEM DE FERRO. Okay, o HOMEM DE FERRO, por ser mais cool.

Agora é só aguarda a cerimônia.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

JANEIRO EM COTAÇÕES

1. O DIA EM QUE A TERRA PAROU, de Scott Derrikson *
2. GOMORRA, de Matteo Garrone ***1/2
3. BOLT – O SUPERCÃO, de Byron Howard ***
4. A TROCA, de Clint Eastwood ****
5. CORAÇÃO DE TINTA, de Iain Softley *
6. AUSTRÁLIA, de Baz Luhrmann **
7. O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON, de David Fincher ***
8. WALL.E, de Andrew Stanton *****
9. FIM DOS TEMPOS, de M. Night Shyamalan ****
10. O ESCAFANDRO E A BORBOLETA, de Julian Schnabel *****
11. SE EU FOSSE VOCÊ 2, de Daniel Filho *
12. VIOLÊNCIA GRATUITA, de Michael Haneke ****
13. HANCOCK, de Peter Berg ***
14. DIÁRIO DOS MORTOS, de George A. Romero ****
15. NA MIRA DO CHEFE, de Martin Mcdonagh ***1/2
16. A DUQUESA, de Saul Dibb ***
17. UM SEGREDO ENTRE NÓS, de Denis Lee **
18. AMOR E INOCÊNCIA, de Julian Jarrold **
19. O BANHEIRO DO PAPA, de César Charlone e Enrique Fernández ****
20. DÚVIDA, de John Patrick Shanley ****
21. O LEITOR, de Stephen Daldry ***1/2

DÚVIDA

Em DÚVIDA, o embate visto em determinada cena será a síntese do jogo de gato e rato desenvolvido filme adentro. A incerteza semi-declarada de um personagem e a dúvida travestida de certeza vista em outro dão mote à perseguição declarada dentro da cena. Padre Flynn (Philip Seymor Hoffman), que desde o princípio dera indícios da dúvida que o consome, defende-se da acusação feita pela austera irmã Aloysius (Meryl Streep), que aliara a antipatia que tinha pelo pároco a essa aflição por ele exposta para acusá-lo de envolver-se com um aluno de 8ª série. Há, porém, um ponto importante a ser destacado: o fato do garoto em questão ser o primeiro aluno negro de um tradicional colégio católico, tendo a figura acolhedora do padre como único refúgio dentro da escola, já que os colegas o descriminam e as freiras não sabem bem como integrá-lo aos demais alunos.
Flynn é, portanto, figura bem quista dentro da escola, pela forma atenciosa com que trata a todos, enquanto Aloysius popular pela maneira rígida e ríspida com que trata os alunos. Logo, não é difícil para que a simpatia do espectador recaia sobre a figura do padre. Aloysius, porém, conta com uma certeza auto-imposta e contagiante, que faz com que a dúvida atinja não apenas a nós (o público), mas, sobretudo, a jovem irmã James (Amy Adams), instrumento essencial nas mãos de ambos os personagens. Essa certeza de Aloysius só desmorona ao fim da batalha, quando nós (e James) já fomos por ela manipulados a desconfiar de Flynn, muito embora algumas pequenas inseguranças e ambiguidades do padre passem a corroborar durante esse processo.
Na cena em questão, Flynn e irmã Aloysius reúnem-se diante da presença da irmã James com a desculpa de discutirem as festas de fim de ano. Não demora, porém, para que Aloysius transforme a discussão num verdadeiro interrogatório. Inicia-se aí uma disputa pelo poder dentro da cena, algo visível e potencializado por pequenas ações de cada personagem: a princípio, Flynn seguro de si, ocupa a poltrona de Aloysius, colocando-a ao lado de James, numa posição subordinada a ele. Porém, ao começar as acusações, Aloysius aproxima-se da janela e abrindo a persiana, incomoda o padre, que acuado física e emocionalmente, dá lugar para que a freira ocupe a posição de algoz. Irmã James, por sua vez, serve inicialmente como instrumento de Aloysius no ataque ao padre, porém, quando à sós com a colega, demonstra uma inclinação para o lado oposto, convencida pela desculpa do padre. A dúvida, portanto, oscila entre as duas figuras detentoras do poder, enquanto a jovem irmã James permanece culpada (ela teve papel fundamental no fomento da desconfiança de Aloysius) em meio ao fogo cruzado, “como se um grande dedo apontasse para ela”.
Dirigido por John Patrick Shanley, cuja carreira até então era calcada como roteirista e teatrólogo (exceto uma única experiência na direção cinematográfica nos anos 90), e embora conte com um texto bastate centrado em diálogos, DÚVIDA em momento algum é teatro filmado. Muito pelo contrário, o diretor muitas vezes inclusive parece deslumbra-se com a câmera, produzindo, sobretudo, alguns enquadramentos digamos “duvidosos” (com o perdão do trocadilho). Nada que abale um filme cuja estrutura está alicerçada num conjunto de interpretações: sejam nas das coadjuvantes Amy Adams e Viola Davis (que soma-se ao filme como uma figura cujo sofrimento a torna incapaz de se deixar levar pela dúvida), seja na presença trágica de seus protagonistas, um padre cujo caráter é questionável pelo temor e pela inquietude, e uma freira capaz de burlar fatos e, segundo ela mesma, “afastar-se de Deus”, na busca por uma verdade e uma justiça que ela mesmo duvida que seja real.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A TROCA

Há em A TROCA, de Eastwood, uma constante: o incessante contraponto entre movimentos (aproximação/afastamento) colocados entre filme e espectador. Através do melodrama, Eastwood aproxima, tornando-nos cúmplices da dor da mãe, vivida aqui por Angelina Jolie. Há, porém, a já conhecida sobriedade com que ele dirige, uma aridez intrínseca em sua cinematografia mais recente, que corroborou para que MENINA DE OURO deixasse de lado o mero dramalhão e atingisse patamares de obra-prima. Aqui algo semelhante ocorre, fazendo com que o diretor não se entregue ao convidativo caminho de centrar-se exclusivamente no sofrimento da protagonista. Assim, ele transforma seu filme numa experiência de dureza gradual, cuja angústia e crueldade desencadeados por um crime retomam uma de suas mais belas obras, o também recente SOBRE MENINOS E LOBOS.
Em A TROCA, Jolie vive Christine Collins, uma mãe solteira que trabalha como telefonista na corrupta Los Angeles da década de 20. A trama, que se desenrola de forma bastante concisa e direta, leva-nos ao desaparecimento de Walter, o tímido filho de Christine, que por sua vez, inicia uma busca com o auxílio da polícia local, tornando-se logo notícia e motivo de comoção na cidade. Mas é quando o garoto finalmente é encontrado que a espinha dorsal do filme torna-se exposta: não reconhecendo o próprio filho, Christine inicia uma batalha particular para provar que garoto em questão não é Walter, algo que afeta diretamente a polícia municipal que, mal vista pela opinião pública, se recusa a admitir o engano.
A construção de Christine e sua movimentação dentro da obra é inegavelmente dramática, sendo que em inúmeros momentos perspassa a barreira que separa o drama do melodrama. Talvez por isso, por estar ligada à um subgênero marginalizado, visto com enorme preconceito, que a atuação de Jolie seja por alguns considerada pré-fabricada, minimamente calculada para abocanhar um Oscar, algo injusto de se dizer já que, do verdadeiro potencial de Jolie, temos vistos apenas esboços esparssos em trabalhos como O BOM PASTOR, mas pouco da atriz premiada por GAROTA INTERROMPIDA. Ela ressurge aqui intensa, porém, delapidada nas mãos de um diretor cuja especialidade é extrair excessos, criando com isso uma personagem cujo sofrimento é implosivo e retrátil.
E se Jolie surge como um dos elementos dramatizantes dentro da obra (pode-se afirmar que a música é outro), Eastwood reafirma seu estilo dotado de certa truculência, ainda que exaurido da crueldade cínica de diretores como os irmãos Cohen. Não que essa característica (a crueldade) esteja ausente, mas ao colocar-se como uma espécie de intermediador equidistante entre público e personagem, Eastwood propicia um diálogo reto entre filme e espectador, fortalecendo essa relação através da confiança e de certa “honestidade”. Em A TROCA, o importante não são os básicos “como, onde, quando e porque”, mas sim o “até”: até quando vai a busca de Christine pelo filho desaparecido? Até onde Eastwood é capaz de levar uma história que se embrutece a cada momento em que ignora um possível “happy end”? Simples: até a trama estar completamente contada, num ponto em que, ou a personagem se liberta, ou simplesmente submerge em sua própria tragédia. Para chegar a tal ponto, Eastwood apenas narra, de forma direta, sóbria, árida, numa economia que exclui qualquer excedente. Dizer que ele desdramatiza talvez seja certo exagero, mas não há como negar aquilo exacerbado na cena em que Christine recebe a notícia da possível morte do filho: ela caminha pela rua, o jornaleiro anuncia aos gritos a notícia, ela tomba abalada mas acaba logo amparada pelo pastor vivido por John Malcovich, e o corte dá fim a cena. Eficaz, tocante, sem histeria, a comoção da cena está num simples bambear de pernas, sem precisar de mais além disso.
A TROCA termina em busca de uma verdade que conclua o caso do desaparecimento. Uma verdade que, a princípio ignorada, fora depois camuflada, e por fim, recusa-se a aparecer. Mas Christine não é Jimmy Marcum, o pai de SOBRE MENINOS E LOBOS que após o brutal assassinato da filha busca justiça com as próprias mãos. Ela está fixada num fiapo de esperança que cresce e se alimenta de maneira cíclica. Não à toa, num momento de desespero pela verdade, durante o confronto com o possível assassino do filho, ela acaba atrás das grades, enquanto ele é “libertado”, mesmo estando prestes a ser enforcado. Para Eastwood às vezes a forca, ou simples desligar de aparelhos (e voltamos à MENINA DE OURO) pode estar associado a idéia de libertação: a morte como um ponto final. Christine não: ela está presa à mesma esperança que afaga e engole, protege e isola, numa procura constante que, assim como alimenta também consome.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

FRIDAY NIGHT LIGHTS

I was living in a devil town; I didn’t know it was a devil town”. Tais versos pertencem à “Devil Town”, canção que embala o teaser promocional da terceira temporada de “Friday Night Lights”. Não, a série não se passa em um subúrbio sucetível à psicopatas como a Wisteria Lane de “Desperate Housewives”, nem tenta desvendar a hipocrisia por trás do refinamento de Beverly Hills, Orange County, ou mesmo do balado Upper East Side de NY, cenário de “Gossip Girl”, outra série teen contemporânea, gênero no qual “Friday Night Lights” pode se encaixar com ressalvas. Simplesmente porque a conservadora Dillon, cidadezinha fictícia no interior do Texas, é justamente o oposto do que se tentou cercar a adolescência televisiva nos últimos anos. Trata-se de uma cidade pacata, sem grandes badalações, onde o único passatempo é, a princípio, uma verdadeira paixão.
Em Dillon, o futebol high-school das sextas à noite é um verdadeiro evento; seus jogadores, jovens entre os 15 e 18 anos, grandes astros. A adolescência não é, portanto, uma etapa a ser vivida entre a impulsividade e o limite, como retrata a já citada “Gossip Girl”, certamente influênciada pela inglesa “Skins”, a mais nova precursora em tratar o mundo-cão juvenil. Para os garotos do Dillon’s Panthers é algo mais simples: trata-se apenas do futebol e de como essa paixão os impulsiona a um futuro distante de sua limitada cidade natal. É justamente aí que as coisas se complicam: a paixão transforma-se de um momento a outro em obsessão; a série confronta seus próprios personagens com uma nova realidade que sabota todos o percurso realizado por estes sem chances para uma total restauração das coisas, abrindo possibilidade apenas para uma adaptação. Assim se completa a storyline do quarterback Jason Street (Scott Porter), que após acidentar-se em campo, se vê obrigado a seguir na carreira de treinador para continuar lidando com o esporte que tanto ama. Ou a de Smash William (Gaius Charles,) garoto que em todo seu percurso tenta driblar o preconceito racial através do convencimento e da falsa auto-estima, e que acaba tendo seu futuro afetado justamente quando reage agressivamente a uma provocação racista.
O acidente com Street logo no primeiro episódio da série, abre espaço para a ascensão de outro personagem, Matt Saracen (Zack Gilford), garoto introspectivo que fora abandonado pela mãe, e que cujo pai está a serviço no Iraque, obrigando-o assim a viver sob a tutela da avó, que apresenta os primeiros sinais alzheimer. Saracen, que nunca havia sequer saído do banco de reservas, não só tem a oportunidade de se tornar estrela do time, como encontra no técnico Eric Taylor (Kyle Chandler) uma espécie de figura paterna. Mas até mesmo para alguém como Saracen, que não tem muito o que perder, os ventos podem mudar. Em contrapartida, vem Tim Riggins (Taylor Kitcsh), galã bad boy, mas com caráter, cuja sorte lhe sorriu algumas vezes, mas que sempre fora por ele dispensada, e que chega a um momento de total letargia ao perceber que a high-school se foi e com ela a posição de astro do Dillon’s Panther.
Essa breve descrição da trajetória de alguns dos personagens já delineia muito sobre “Friday Night Lights”. Mais do que uma série adolescente, trata-se de uma história em que jovens são catapultados ao estrelato com a mesma rapidez com que despencam dessa posição e em que o happy end nunca é pleno (tal qual em Juno, filme recente que aborda o universo adolescente através desse ideia ácida de que a felicidade nunca é completa, algo sempre fica pelo caminho). Mas trata-se, sobretudo, de uma história em que uma paixão (no caso aqui, por um esporte) pode tomar caminhos completamente distintos, afinal, de nada adianta a dedicação do coach Taylor ao time, ou de sua esposa, Tammy Taylor (Connie Britton) ao colégio em que ocupa o cargo de diretora, quando o sentimento da pequena Dillon em relação ao esporte, parece ultrapassar uma fronteira perigosa, desafiando questões éticas e morais, que dizem respeito, inclusive, à educação da juventude vista nesse cenário.
Assim, encontramos uma Dillon dividida na quarta e atual temporada da série. De um lado West Dillon, que guarda apenas boas recordações de um passado recente, enquanto seus antigos heróis (Riggins e Saracen) vagam letárgicos e inertes pela cidade. Do outro, East Dillon, área mais pobre que vê sua escola ser reativada, assim com o antigo time, agora liderado por Eric Taylor, que fora expulso dos Panthers por uma questão de interesses dos “figurões” da cidade. A paixão pelo antigo time se tornara um câncer, como bem definiu em episódio recente um dos personagens. Resta agora reerguer o então inativo Lions, ainda que problemas como a falta de motivação, as dificuldades financeiras e educacionais e a criminalidade sejam empecilhos presentes à essa tarefa. A ideia da cooperação, do trabalho em equipe, estão presentes, como sempre estiveram de forma muito positiva na série, ainda que, individualmente, cada personagem tenha se deparado com situações incontornáveis, tendo assim que abortar planos e sonhos. Há aí um certo sentimento de pessimismo, que não deixa de conferir realidade à trama. Bem verdade, assistimos West Dillon se afundar em meio ao orgulho e à obsessão, enquanto East Dillon se debate para ressurgir enquanto tudo corrobora contra. O futebol, esporte símbolo dos Estados Unidos, serve de cerne para esta que não deixa de ser uma interessante crônica americana, num microcosmo que pouco tem da riqueza e exuberância que estamos acostumados a ver/acreditar. A série escancara assim os problemas sócio-econômicos (a crise imobiliária chega a ser abordada em determinada storyline), os fanatismos e as limitações de uma cidadezinha pacata e conservadora. Têm-se aí um olhar reverso e curioso ao american way of life.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

2008 EM SEU MELHOR E SEU PIOR

Em uma revisita textual a ACROSS THE UNIVERSE, ressaltei algo sobre a mutabilidade do olhar. Pois bem, mais um ano se passa e, é claro, muito do que foi visto permanece intocável. Há obras, porém, que são revistas e repensadas, e é justamente essa permeabilidade, essa sobrevivência pós-fílmica, que faz com que o cinema seja uma arte extremamente dependente da óptica particular de cada pessoa, do repertório individual (algo em constante evolução), em suma, do olhar, muitas vezes mutável de um dia ao outro.
Dito isso, é impossível estabelecer regras rígidas nas tradicionais listas de final de ano que começam a pipocar por agora, afinal, cada qual está ligada ao olhar de seu autor, algo dotado de uma “inconstância” positiva, muitas vezes epocal. Tentar transpor essa rigidez para as polêmicas cotações então nem pensar! Estrelinhas, claquetinhas, bonequinhos e cia., são sempre necessários, muito embora sejam classificações um tanto quanto taxativas e, por isso mesmo incompletas e ingratas.
Bem, feita essa introdução, vamos ao que interessa: ao longo de 2008, foram 202 filmes assistidos, 22 dos quais compõem esta lista de melhores do ano, elencados em ordem de preferência, contando ainda com dois empates. Ao final, achei justo ressaltar também algumas das grandes interpretações do ano. Enfim, direto ao ponto:

1. ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, de JOEL e ETHAN COHEN
2. O NEVOEIRO, de FRANK DARABONT
3. FALSA LOURA, de CARLOS REICHENBACH
4. BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS, de CHRISTOPHER NOLAN
5. WALL.E, de ANDREW STANTON
6. JUNO, de JASON REITMAN
7. NA NATUREZA SELVAGEM, de SEAN PENN
8. FELIZ NATAL, de SELTON MELLO
9. APENAS UMA VEZ, de JOHN CARNEY
10. ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO, de SYDNEY LUMET
11. SANGUE NEGRO, de PAUL THOMAS ANDRESON
12. SENHORES DO CRIME, de DAVID CRONEMBERG / SWEENEY TODD, de TIM BURTOM
13. DESEJO E REPARAÇÃO, de JOE WRIGHT
14. NÃO ESTOU LÁ, de TODD HAYNES
15. VICKY CRISTINA BARCELONA, de WOODY ALLEN
16. PARANOID PARK, de GUS VAN SANT
17. PERSÉPOLIS, de VINCENT PARONNAUD e MARJANE SATRAPI
18. ACROSS THE UNIVERSE, de JULIE TAYMOR
19. QUEIME DEPOIS DE LER, de JOEL e ETHAN COHEN
20. ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, de FERNANDO MEIRELLES / FIM DOS TEMPOS, de M. NIGHT SHYAMALAN

MELHOR ATOR

Falar dos trabalhos de DANIEL DAY-LEWIS (SANGUE NEGRO), JAVIER BARDÉN (ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, VICKY CRISTINA BARCELONA), JOHNNY DEPP (SWEENEY TODD) e VIGGO MORTENSEN (SENHORES DO CRIME) é chover no molhado, afinal, os que não foram oscarizados, estiveram ao menos presentes nas últimas grandes premiações americanas. Confesso, porém, certa dificuldade em encontrar uma interpretação masculina que realmente me arrebatasse, um nome que me tenha vindo a cabeça de imediato. Depois de pensar um pouco, optei por três grandes atuações, uma delas vinda de um não ator, enquanto outra, de um veterano ator brasileiro em um trabalho televisivo, formato muitas vezes menosprezado. São eles:
GLEN HANSARD, por APENAS UMA VEZ,
EMILE HIRSCH, por NA NATUREZA SELVAGEM,
e por último, MAURO MENDONÇA, por sua atuação na novela A FAVORITA, que como ressaltou o crítico Sérgio Alpendre em seu blog “Chip Hazard”, protagonizou recentemente uma das cenas mais ricas da teledramaturgia nacional. Para exemplificar a magnitude da interpretação de Mendonça, basta conferir a respiração pausada e dificultosa conferida pelo ator ao personagem cardíaco ao longo da trama.

MELHOR ATRIZ

ROSANNE MULHOLLAND, simplesmente hipnótica em FALSA LOURA.
Medalha de prata para REBECCA HALL, por VICKY CRISTINA BARCELONA.

MELHOR ATOR COADJUVANTE

CORINGA, ops... HEATH LEADGER, por sua justamente aclamada atuação em BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS. Prata para ETHAN HAWKE em ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

DARLENE GLÓRIA, por FELIZ NATAL. Seguida de perto por PENÉLOPE CRUZ, por VICKY CRISTINA BARCELONA.

Enfim, para fechar a lista, não poderiam faltar os piores do ano, que serão aqui limitados as três primeiras posições, afinal, ninguém precisa ficar lembrando dessas “preciosidades” o tempo todo (lembrando que tudo o que foi dito nesse texto trata-se de uma opinião extritamente pessoal). São eles:

01. O MELHOR AMIGO DA NOIVA, de PAUL WEILAND
02. CREPÚSCULO, de CATHERINE HARDWICKE
03. ALUCINADOS, de ROBERTO SANTUCCI

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ