quarta-feira, 9 de abril de 2008

2 DIAS EM PARIS

Imagine ANNIE HALL (em português NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA), de Woody Allen, passado em Paris. Adicione aí o já conhecido talento de Julie Delpy como roteirista e atriz. Assim é 2 DIAS EM PARIS, deliciosa comédia romântica roteirizada, dirigida e estrelada pela atriz francesa de ANTES DO PÔR-DO-SOL.
A trama é simples: um casal prestes a retornar da Itália para Nova York, pára dois dias para visitar a família da moça. O que a bipolar Marion (Delpy) e o neurótico Jack (Adam Goldberg) não imaginam é que essas 48 horas serão suficientes para abrir uma cratera em seu relacionamento. E tudo isso através de situações cotidianas, possivelmente presentes no relacionamento de qualquer casal ou de qualquer família.
Esse talvez seja o maior trunfo do roteiro de Delpy (ok, o segundo maior): apresentar conflitos através de fatos pequenos, sem grandes reviravoltas. Assim, o ciúme obsessivo de Jack é cabível a qualquer uma das partes de um casal, tal como as trapalhadas ocorridas durante a viagem, compatíveis ao cotidiano de qualquer turista (pelo menos a grande maioria).
A roteirista acerta ainda mais ao fazer comentários ácidos sobre a cidade-luz: a complicada relação entre franceses e americanos, o pavor que os parisienses têm de turistas que não falam francês (as cenas do táxi e da lanchonete são ótimas) e o trânsito enlouquecido da cidade (numa cena divertidíssima em que o pai da personagem risca os carros estacionados sobre a calçada). Revela-se ainda interessante sua opção em retratar a personalidade da cidade, e não a “Paris cartão postal”. Assim, em momento algum vemos pontos turísticos como a Torre Eiffel ou o Arco do Triunfo; simplesmente transitamos pelos becos e cafés típicos da capital francesa.
Por fim, o maior acerto de Delpy acaba não sendo novidade, já que pode ser conferido em seus trabalhos anteriores como ANTES DO AMANHECER e ANTES DO PÔR-DO-SOL. Mais uma vez, ela demonstra ser uma eximia dialoguista, construindo um verdadeiro pingue-pongue de palavras rebatidas rapidamente de um personagem a outro. Nesses momentos, sua direção torna-se tão ousada quanto o conteúdo de seus diálogos: ela opta em seguir tais duelos verbais com a câmera, correndo de um personagem a outro através de cortes rápidos e um nervoso jogo de consecutivas panorâmicas.
Obviamente inspirado nas comédias de Woddy Allen, 2 DIAS EM PARIS traz o ator Adam Goldberg (ZODÍACO) representando um Allen mais jovem. Neurótico, perturbado e obsessivo, tal como o cineasta em boa parte de seus filmes, Goldberg surge hilário desde a primeira cena, e acaba sendo interessante vermos sua praticidade americana e o horror que ele sente diante da complexa liberdade parisiense. Assim, o choque cultural entre os dois protagonistas acaba dando maior vigor à comédia, e Delpy, por sua vez, aproveita-se da oportunidade para livrar-se da mocinha romântica dos filmes de Linklater.
2 DIAS EM PARIS é, por fim, um retrato alternativo da cidade-luz, que toma caminhos completamente opostos ao recente PARIS, TE AMO, e ressalta o já conhecido talento de Julie Delpy como roteirista, atriz e, também, cineasta.


por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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