terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A TROCA

Há em A TROCA, de Eastwood, uma constante: o incessante contraponto entre movimentos (aproximação/afastamento) colocados entre filme e espectador. Através do melodrama, Eastwood aproxima, tornando-nos cúmplices da dor da mãe, vivida aqui por Angelina Jolie. Há, porém, a já conhecida sobriedade com que ele dirige, uma aridez intrínseca em sua cinematografia mais recente, que corroborou para que MENINA DE OURO deixasse de lado o mero dramalhão e atingisse patamares de obra-prima. Aqui algo semelhante ocorre, fazendo com que o diretor não se entregue ao convidativo caminho de centrar-se exclusivamente no sofrimento da protagonista. Assim, ele transforma seu filme numa experiência de dureza gradual, cuja angústia e crueldade desencadeados por um crime retomam uma de suas mais belas obras, o também recente SOBRE MENINOS E LOBOS.
Em A TROCA, Jolie vive Christine Collins, uma mãe solteira que trabalha como telefonista na corrupta Los Angeles da década de 20. A trama, que se desenrola de forma bastante concisa e direta, leva-nos ao desaparecimento de Walter, o tímido filho de Christine, que por sua vez, inicia uma busca com o auxílio da polícia local, tornando-se logo notícia e motivo de comoção na cidade. Mas é quando o garoto finalmente é encontrado que a espinha dorsal do filme torna-se exposta: não reconhecendo o próprio filho, Christine inicia uma batalha particular para provar que garoto em questão não é Walter, algo que afeta diretamente a polícia municipal que, mal vista pela opinião pública, se recusa a admitir o engano.
A construção de Christine e sua movimentação dentro da obra é inegavelmente dramática, sendo que em inúmeros momentos perspassa a barreira que separa o drama do melodrama. Talvez por isso, por estar ligada à um subgênero marginalizado, visto com enorme preconceito, que a atuação de Jolie seja por alguns considerada pré-fabricada, minimamente calculada para abocanhar um Oscar, algo injusto de se dizer já que, do verdadeiro potencial de Jolie, temos vistos apenas esboços esparssos em trabalhos como O BOM PASTOR, mas pouco da atriz premiada por GAROTA INTERROMPIDA. Ela ressurge aqui intensa, porém, delapidada nas mãos de um diretor cuja especialidade é extrair excessos, criando com isso uma personagem cujo sofrimento é implosivo e retrátil.
E se Jolie surge como um dos elementos dramatizantes dentro da obra (pode-se afirmar que a música é outro), Eastwood reafirma seu estilo dotado de certa truculência, ainda que exaurido da crueldade cínica de diretores como os irmãos Cohen. Não que essa característica (a crueldade) esteja ausente, mas ao colocar-se como uma espécie de intermediador equidistante entre público e personagem, Eastwood propicia um diálogo reto entre filme e espectador, fortalecendo essa relação através da confiança e de certa “honestidade”. Em A TROCA, o importante não são os básicos “como, onde, quando e porque”, mas sim o “até”: até quando vai a busca de Christine pelo filho desaparecido? Até onde Eastwood é capaz de levar uma história que se embrutece a cada momento em que ignora um possível “happy end”? Simples: até a trama estar completamente contada, num ponto em que, ou a personagem se liberta, ou simplesmente submerge em sua própria tragédia. Para chegar a tal ponto, Eastwood apenas narra, de forma direta, sóbria, árida, numa economia que exclui qualquer excedente. Dizer que ele desdramatiza talvez seja certo exagero, mas não há como negar aquilo exacerbado na cena em que Christine recebe a notícia da possível morte do filho: ela caminha pela rua, o jornaleiro anuncia aos gritos a notícia, ela tomba abalada mas acaba logo amparada pelo pastor vivido por John Malcovich, e o corte dá fim a cena. Eficaz, tocante, sem histeria, a comoção da cena está num simples bambear de pernas, sem precisar de mais além disso.
A TROCA termina em busca de uma verdade que conclua o caso do desaparecimento. Uma verdade que, a princípio ignorada, fora depois camuflada, e por fim, recusa-se a aparecer. Mas Christine não é Jimmy Marcum, o pai de SOBRE MENINOS E LOBOS que após o brutal assassinato da filha busca justiça com as próprias mãos. Ela está fixada num fiapo de esperança que cresce e se alimenta de maneira cíclica. Não à toa, num momento de desespero pela verdade, durante o confronto com o possível assassino do filho, ela acaba atrás das grades, enquanto ele é “libertado”, mesmo estando prestes a ser enforcado. Para Eastwood às vezes a forca, ou simples desligar de aparelhos (e voltamos à MENINA DE OURO) pode estar associado a idéia de libertação: a morte como um ponto final. Christine não: ela está presa à mesma esperança que afaga e engole, protege e isola, numa procura constante que, assim como alimenta também consome.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

FRIDAY NIGHT LIGHTS

I was living in a devil town; I didn’t know it was a devil town”. Tais versos pertencem à “Devil Town”, canção que embala o teaser promocional da terceira temporada de “Friday Night Lights”. Não, a série não se passa em um subúrbio sucetível à psicopatas como a Wisteria Lane de “Desperate Housewives”, nem tenta desvendar a hipocrisia por trás do refinamento de Beverly Hills, Orange County, ou mesmo do balado Upper East Side de NY, cenário de “Gossip Girl”, outra série teen contemporânea, gênero no qual “Friday Night Lights” pode se encaixar com ressalvas. Simplesmente porque a conservadora Dillon, cidadezinha fictícia no interior do Texas, é justamente o oposto do que se tentou cercar a adolescência televisiva nos últimos anos. Trata-se de uma cidade pacata, sem grandes badalações, onde o único passatempo é, a princípio, uma verdadeira paixão.
Em Dillon, o futebol high-school das sextas à noite é um verdadeiro evento; seus jogadores, jovens entre os 15 e 18 anos, grandes astros. A adolescência não é, portanto, uma etapa a ser vivida entre a impulsividade e o limite, como retrata a já citada “Gossip Girl”, certamente influênciada pela inglesa “Skins”, a mais nova precursora em tratar o mundo-cão juvenil. Para os garotos do Dillon’s Panthers é algo mais simples: trata-se apenas do futebol e de como essa paixão os impulsiona a um futuro distante de sua limitada cidade natal. É justamente aí que as coisas se complicam: a paixão transforma-se de um momento a outro em obsessão; a série confronta seus próprios personagens com uma nova realidade que sabota todos o percurso realizado por estes sem chances para uma total restauração das coisas, abrindo possibilidade apenas para uma adaptação. Assim se completa a storyline do quarterback Jason Street (Scott Porter), que após acidentar-se em campo, se vê obrigado a seguir na carreira de treinador para continuar lidando com o esporte que tanto ama. Ou a de Smash William (Gaius Charles,) garoto que em todo seu percurso tenta driblar o preconceito racial através do convencimento e da falsa auto-estima, e que acaba tendo seu futuro afetado justamente quando reage agressivamente a uma provocação racista.
O acidente com Street logo no primeiro episódio da série, abre espaço para a ascensão de outro personagem, Matt Saracen (Zack Gilford), garoto introspectivo que fora abandonado pela mãe, e que cujo pai está a serviço no Iraque, obrigando-o assim a viver sob a tutela da avó, que apresenta os primeiros sinais alzheimer. Saracen, que nunca havia sequer saído do banco de reservas, não só tem a oportunidade de se tornar estrela do time, como encontra no técnico Eric Taylor (Kyle Chandler) uma espécie de figura paterna. Mas até mesmo para alguém como Saracen, que não tem muito o que perder, os ventos podem mudar. Em contrapartida, vem Tim Riggins (Taylor Kitcsh), galã bad boy, mas com caráter, cuja sorte lhe sorriu algumas vezes, mas que sempre fora por ele dispensada, e que chega a um momento de total letargia ao perceber que a high-school se foi e com ela a posição de astro do Dillon’s Panther.
Essa breve descrição da trajetória de alguns dos personagens já delineia muito sobre “Friday Night Lights”. Mais do que uma série adolescente, trata-se de uma história em que jovens são catapultados ao estrelato com a mesma rapidez com que despencam dessa posição e em que o happy end nunca é pleno (tal qual em Juno, filme recente que aborda o universo adolescente através desse ideia ácida de que a felicidade nunca é completa, algo sempre fica pelo caminho). Mas trata-se, sobretudo, de uma história em que uma paixão (no caso aqui, por um esporte) pode tomar caminhos completamente distintos, afinal, de nada adianta a dedicação do coach Taylor ao time, ou de sua esposa, Tammy Taylor (Connie Britton) ao colégio em que ocupa o cargo de diretora, quando o sentimento da pequena Dillon em relação ao esporte, parece ultrapassar uma fronteira perigosa, desafiando questões éticas e morais, que dizem respeito, inclusive, à educação da juventude vista nesse cenário.
Assim, encontramos uma Dillon dividida na quarta e atual temporada da série. De um lado West Dillon, que guarda apenas boas recordações de um passado recente, enquanto seus antigos heróis (Riggins e Saracen) vagam letárgicos e inertes pela cidade. Do outro, East Dillon, área mais pobre que vê sua escola ser reativada, assim com o antigo time, agora liderado por Eric Taylor, que fora expulso dos Panthers por uma questão de interesses dos “figurões” da cidade. A paixão pelo antigo time se tornara um câncer, como bem definiu em episódio recente um dos personagens. Resta agora reerguer o então inativo Lions, ainda que problemas como a falta de motivação, as dificuldades financeiras e educacionais e a criminalidade sejam empecilhos presentes à essa tarefa. A ideia da cooperação, do trabalho em equipe, estão presentes, como sempre estiveram de forma muito positiva na série, ainda que, individualmente, cada personagem tenha se deparado com situações incontornáveis, tendo assim que abortar planos e sonhos. Há aí um certo sentimento de pessimismo, que não deixa de conferir realidade à trama. Bem verdade, assistimos West Dillon se afundar em meio ao orgulho e à obsessão, enquanto East Dillon se debate para ressurgir enquanto tudo corrobora contra. O futebol, esporte símbolo dos Estados Unidos, serve de cerne para esta que não deixa de ser uma interessante crônica americana, num microcosmo que pouco tem da riqueza e exuberância que estamos acostumados a ver/acreditar. A série escancara assim os problemas sócio-econômicos (a crise imobiliária chega a ser abordada em determinada storyline), os fanatismos e as limitações de uma cidadezinha pacata e conservadora. Têm-se aí um olhar reverso e curioso ao american way of life.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

2008 EM SEU MELHOR E SEU PIOR

Em uma revisita textual a ACROSS THE UNIVERSE, ressaltei algo sobre a mutabilidade do olhar. Pois bem, mais um ano se passa e, é claro, muito do que foi visto permanece intocável. Há obras, porém, que são revistas e repensadas, e é justamente essa permeabilidade, essa sobrevivência pós-fílmica, que faz com que o cinema seja uma arte extremamente dependente da óptica particular de cada pessoa, do repertório individual (algo em constante evolução), em suma, do olhar, muitas vezes mutável de um dia ao outro.
Dito isso, é impossível estabelecer regras rígidas nas tradicionais listas de final de ano que começam a pipocar por agora, afinal, cada qual está ligada ao olhar de seu autor, algo dotado de uma “inconstância” positiva, muitas vezes epocal. Tentar transpor essa rigidez para as polêmicas cotações então nem pensar! Estrelinhas, claquetinhas, bonequinhos e cia., são sempre necessários, muito embora sejam classificações um tanto quanto taxativas e, por isso mesmo incompletas e ingratas.
Bem, feita essa introdução, vamos ao que interessa: ao longo de 2008, foram 202 filmes assistidos, 22 dos quais compõem esta lista de melhores do ano, elencados em ordem de preferência, contando ainda com dois empates. Ao final, achei justo ressaltar também algumas das grandes interpretações do ano. Enfim, direto ao ponto:

1. ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, de JOEL e ETHAN COHEN
2. O NEVOEIRO, de FRANK DARABONT
3. FALSA LOURA, de CARLOS REICHENBACH
4. BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS, de CHRISTOPHER NOLAN
5. WALL.E, de ANDREW STANTON
6. JUNO, de JASON REITMAN
7. NA NATUREZA SELVAGEM, de SEAN PENN
8. FELIZ NATAL, de SELTON MELLO
9. APENAS UMA VEZ, de JOHN CARNEY
10. ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO, de SYDNEY LUMET
11. SANGUE NEGRO, de PAUL THOMAS ANDRESON
12. SENHORES DO CRIME, de DAVID CRONEMBERG / SWEENEY TODD, de TIM BURTOM
13. DESEJO E REPARAÇÃO, de JOE WRIGHT
14. NÃO ESTOU LÁ, de TODD HAYNES
15. VICKY CRISTINA BARCELONA, de WOODY ALLEN
16. PARANOID PARK, de GUS VAN SANT
17. PERSÉPOLIS, de VINCENT PARONNAUD e MARJANE SATRAPI
18. ACROSS THE UNIVERSE, de JULIE TAYMOR
19. QUEIME DEPOIS DE LER, de JOEL e ETHAN COHEN
20. ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, de FERNANDO MEIRELLES / FIM DOS TEMPOS, de M. NIGHT SHYAMALAN

MELHOR ATOR

Falar dos trabalhos de DANIEL DAY-LEWIS (SANGUE NEGRO), JAVIER BARDÉN (ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, VICKY CRISTINA BARCELONA), JOHNNY DEPP (SWEENEY TODD) e VIGGO MORTENSEN (SENHORES DO CRIME) é chover no molhado, afinal, os que não foram oscarizados, estiveram ao menos presentes nas últimas grandes premiações americanas. Confesso, porém, certa dificuldade em encontrar uma interpretação masculina que realmente me arrebatasse, um nome que me tenha vindo a cabeça de imediato. Depois de pensar um pouco, optei por três grandes atuações, uma delas vinda de um não ator, enquanto outra, de um veterano ator brasileiro em um trabalho televisivo, formato muitas vezes menosprezado. São eles:
GLEN HANSARD, por APENAS UMA VEZ,
EMILE HIRSCH, por NA NATUREZA SELVAGEM,
e por último, MAURO MENDONÇA, por sua atuação na novela A FAVORITA, que como ressaltou o crítico Sérgio Alpendre em seu blog “Chip Hazard”, protagonizou recentemente uma das cenas mais ricas da teledramaturgia nacional. Para exemplificar a magnitude da interpretação de Mendonça, basta conferir a respiração pausada e dificultosa conferida pelo ator ao personagem cardíaco ao longo da trama.

MELHOR ATRIZ

ROSANNE MULHOLLAND, simplesmente hipnótica em FALSA LOURA.
Medalha de prata para REBECCA HALL, por VICKY CRISTINA BARCELONA.

MELHOR ATOR COADJUVANTE

CORINGA, ops... HEATH LEADGER, por sua justamente aclamada atuação em BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS. Prata para ETHAN HAWKE em ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

DARLENE GLÓRIA, por FELIZ NATAL. Seguida de perto por PENÉLOPE CRUZ, por VICKY CRISTINA BARCELONA.

Enfim, para fechar a lista, não poderiam faltar os piores do ano, que serão aqui limitados as três primeiras posições, afinal, ninguém precisa ficar lembrando dessas “preciosidades” o tempo todo (lembrando que tudo o que foi dito nesse texto trata-se de uma opinião extritamente pessoal). São eles:

01. O MELHOR AMIGO DA NOIVA, de PAUL WEILAND
02. CREPÚSCULO, de CATHERINE HARDWICKE
03. ALUCINADOS, de ROBERTO SANTUCCI

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ