quarta-feira, 6 de julho de 2011

PÂNICO 4

Em “Cópia Fiel”, Abbas Kiarostami faz emergir da mise en scène ficcional uma outra narrativa, também fictícia, que se bifurca dentro da cena cuja locação é um Café. Os recém-apresentados escritor James Miller (William Shimel) e Elle (Juliete Binoche), dona de uma galeria de arte, deixam então a condição de meros conhecidos e encarnam a farsa de uma relação amorosa que se desdobra exponencialmente até o final da trama, quando o simples gesto em frente a um espelho – que remete a um momento anterior – descortina o casamento ilusório que acompanhamos de forma crédula graças à experienciação do pacto emocional imposto pela força das atuações na encenação desta relação cotidiana e universal.
A temática de “Cópia Fiel” emana deste jogo que se desdobra: original e cópia podem estabelecer uma experiênciação estética equivalente em suas forças? A farsa criada não nos proporciona a obtenção de um pacto tão, ou mais forte que a “realidade” (entende-se por realidade, o ponto de partida da trama)? Existe a tal cópia fiel e, se sim, qual o seu valor? Curiosamente, são questões que brotam do cinema artístico de Kierostami e vão ao encontro do cinema de gênero repensado por Wes Craven em “Pânico 4”.
Em “Pânico 4”, a questão do espelhamento e da intermediação são constantes e, num mundo onde as imagens se multiplicam em megabytes, torna-se difícil distinguir real e imaginário, verdadeiro e falso. Isso está na sequêncida do prólogo, em que cada cena se revela um simulacro, até o momento em que enfim chegamos à esfera do “real” – o universo concreto onde se desencadeia a trama. Está também na própria diegese fílmica: Ghostface está nas máscaras “comemorativas” do aniversário do massacre; está nos aplicativos dos celulares, que simulam a voz do assassino de Woodsboro – muitos querem ser Ghostface. “A tragédia de uma geração é a piada da outra”, bem pontua um personagem. Mas há aqueles que querem ser Sidney Prescott (Neve Campbell), a garota que sobreviveu, e a busca por este espelhamento é a força que move o filme. Encontra sua quase plenitude no plano abaixo.

Na imagem, Sidney, à esquerda do quadro, e Trudie (Shenae Grimes), sobrinha de Sidney, à direita, num posicionamento idêntico. Obcecada pelo papel de vítima de Sidney, Trudie age todo o filme para que este momento ocorra, e não à toa se coloca no espaço em posição reflexa, algo que é potencializado pelo setup da câmera, que capta os corpos de maneira a corroborar este espelhamento. Há, no entanto, um item que impede a imagem de alcançar a simetria bilateral perfeita: a linha diagonal que corta o chão. Pois sendo a imagem constituída por forma (os corpos) e contraste (o chão), e levando em consideração que esses elementos afetam um ao outro diretamente, a tal linha não deveria estar presente, ou estar ao menos colocada na vertical, distribuindo o espaço em igualdade entre as personagens. Aqui, no entanto, ela não só gera o desequilíbrio da composição, como ainda emoldura Sidney acuada no canto esquerdo do quadro, ainda na posição de vítima, lugar que Trudie almejara desde o princípio, mas sem jamais alcançar: ela continua no papel do algoz e a imagem só reitera isso.
Resta revelar que Trudie, em seu plano para assumir o papel da tia, planejara fazer um remake dos acontecimentos do filme original – uma cópia fiel, só que com ela ao invés de Sidney. O contexto/contraste, no entanto, agora é outro: este não é o “Pânico” de 1996, nem a Woodsboro de hoje é a mesma de outrora, pois houve ao menos um deslocamento de tempo (e com isso transformações sociais, tecnológicas, etc). Se no original a ideia era repensar o cinema de gênero sem sair deste mesmo escopo, neste quarto episódio, é preciso realocá-lo num mundo em que as imagens, de tão voláteis, perderam o impacto (o serial killer que virou piada), bem como os referenciais, que seguem caminhos questionáveis diante desse bombardeio de atos e fatos banalizados, dessa individualização que leva ao desespero por aquilo que, numa visão Lacaniana, é o que todos nós desejamos: sermos desejados (e é o que Trudie quer). Pois “Pânico 4” está situado num tempo de vítimas-celebridades instântaneas, de informações fragmentadas e de uma relevância maior para com imagens dissumuladas ou abjetas, e para Wes Craven, isso afeta diretamente a questão do espelhamento, da referenciação. Ironicamente, seu filme segue os mesmos passos do original, utiliza-se dos mesmos marcadores conhecidos já em 1996. No fundo, no fundo, é uma cópia, um remake, mas tem vida própria, não é mero simulacro: tem seu valor.
por ÁLVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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