domingo, 15 de junho de 2008

FIM DOS TEMPOS

Há em FIM DOS TEMPOS três momentos que aglutinam tudo aquilo que o cinema de M. Night Shyamalan sempre teve de melhor. Dentre tais características (e acreditem, não são poucas) a maior delas ainda é a capacidade com que o cineasta cria a atmosfera de tensão e suspense recorrente em seus filmes através da sugestão, abrindo mão de sangrias desatadas ou truques manjados de som a fim de amedontrar o expectador (muito embora o som seja um recurso importantíssimo em toda sua filmografia). Logo na abertura do filme vemos o primeiro desses momentos. Numa cena que nos remete à vista em O HOSPEDEIRO (aquela em que testemunhamos o horror dos transeuntes diante de uma criatura fora de quadro) FIM DOS TEMPOS inicia com duas mulheres sentadas num parque. Em meio à conversa, uma delas desvia sua atenção para fora do quadro e descreve um incidente que ela mesma parece não compreender. O expectador muito menos, mas sabe-se desde então que coisa boa não é. Quando a câmera retorna para a segunda personagem, presenciamos de perto o que antes fora apenas descrito. A moça tira uma espécie de grampo do cabelo e penetra na jugular. Embora a tragédia fosse já anunciada pela fala da outra, a sensação aqui não é de redundância, mas sim da imagem sublinhando o discurso textual. E o filme de Shyamalan tem aí uma abertura poderosa o bastante para seduzir o público logo nos primeiros instantes.
O segundo momento vem à tona pouco depois. E meio a uma construção urbana, um trabalhador desaba das alturas provocando a preocupação dos colegas que estão no chão. Uma segunda figura desaba. E uma terceira. E o som dos corpos caindo povoam a sala de projeção. A câmera se posiciona num contra-plongé e o quadro é composto por inúmeros vultos que cortam o céu em queda livre. O plano é simultaneamente dono de uma extrema beleza estética e de uma violência atroz e a câmera de Shyamalan leva o expectador ao choque sem utilizar sangue ou qualquer tipo de violência física visível, dessas vistas em JOGOS MORTAIS; apenas através de sombras suicidas e que cujo destino já sabemos de antemão, sem precisar conferir o resultado da carnificina.
No terceiro momento a trama já está contada: uma desconhecida bactéria transmitida pelo ar leva os contaminados ao suicídio em questão de segundos. As ruas estão entupidas de carros e pessoas em estado de alerta. É quando a matança recomeça; desta vez, de um ângulo ainda mais curioso. Um policial saca sua arma a atira em si próprio. Vemos esse mesmo gesto ser repetido ainda por outras duas pessoas com a mesma arma que, passando de mão em mão, inaugura uma espécie de efeito dominó. A câmera acompanha tudo de perto, só que focada nas pernas de cada personagem, sem revelar nada muito além dos corpos tombando. É a terceira grande cena do filme de Shyamalan e temos, até aí, um terço do filme. É justamente aí que reside o maior problema de FIM DOS TEMPOS: seus três momentos dramaturgicamente mais intensos estão concentrados ainda no início da trama, e embora tudo o que venha adiante mantenha certo interesse, jamais consegue se equipar ao universo apocalíptico poético construído durante o primeiro ato.
O constante estado de alerta do norte-americano pós 11 de setembro parece ter virado uma espécie de subgênero cinematográfico. FIM DOS TEMPOS não foge disso ao criar uma sociedade em estado latente, preparada para o pânico e o caos desencadeados a qualquer instante. Aqui, no caso, não se sabe ao certo de onde vem o inimigo, pelo menos até certa parte da projeção, o que aumenta ainda mais a paranóia dos personagens vistos na tela. Alias, pode-se dizer que FIM DOS TEMPOS é um verdadeiro ensaio sobre a paranóia, algo bastante visível nos protagonistas Elliot e Alma, vividos por Mark Wahlberg e Zooey Deschanel. Enquanto Alma surge como uma mulher extremamente confusa, que revela suas crises ao marido nos momentos mais inoportunos, o estado de confusão de Elliot é levado a extremos ainda maiores, levando a figura do herói a beirar o ridículo (num momento bastante reconhecível do filme), uma escolha que pode soar até ousada no roteiro, mas é desperdiçada graças à desatenção de Shyamalan na direção de atores de seu filme.
Ainda que com grandes chances de ser injustiçado (assim como foram A VILA e DAMA DA ÁGUA), FIM DOS TEMPOS dá continuidade ao patamar de regularidade atingido por Shyamalan após O SEXTO SENTIDO, ou seja, seus filmes nunca mais se equipararam à sua obra-prima, mas têm um padrão mínimo de qualidade. Aqui, fica claro de que não se pode acusar o cineasta de uma carreira irregular, muito menos de ser um diretor ruim, já que Shyamalan demonstra saber usar eximiamente os principais marcadores do gênero em que aparentemente resolvera se especializar.
Por fim, ao apontar a natureza como responsável pela epidemia que se espalha, FIM DOS TEMPOS dialoga diretamente com o recente EU SOU A LENDA e até mesmo com NA NATUREZA SELVAGEM. A diferença é que neste último, ela demonstra uma força brutal, porém verossímil, diante de um único homem. No filme estrelado por Will Smith e no de Shyamalan há um trágico e imaginativo controle populacional: no primeiro através de um drama de ação; em FIM DOS TEMPOS, através de um suspense quase poético. Ambos retratam um apocalipse provocado pela fúria da natureza contra uma praga chamada humanidade.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

2 comentários:

marcosh disse...

Gostaria de parabeniza-lo por ser uma das poucas pessoas no mundo que enxergaram alguma qualidade nesse filmes!

Alexandre Rafael Garcia disse...

E eu gostaria de parabenizá-lo pela qualidade do texto. Está melhorando, hein? Já estou me sentindo cada vez mais ficando para trás...
De verdade, bem boas as duas últimas críticas. Só não gostei muito deste último páragrafo do Happening.