sábado, 3 de maio de 2008

NA NATUREZA SELVAGEM

Em NA NATUREZA SELVAGEM (INTO THE WILD), um poderoso embate é reincidente trama a fora. De um lado, o cotidiano limitado de uma típica família de classe média norte-americana; do outro, a imensidão de um mundo inimaginável a ser explorada. Em comum, um jovem que transita entre os dois cenários e que, cansado principalmente da hipocrisia familiar, resolve deixar tudo para trás e embarcar “sem lenço, nem documento” numa aventura mundo a fora, sobrevivendo apenas do que a natureza lhe proporciona. O confronto, embora inicialmente velado, é claro, e a competência com que o diretor Sean Penn transita entre esses dois universos faz com que o filme vá além de um “road movie” tradicional.
Protagonizado por Emile Hirschy, NA NATUREZA SELVAGEM é baseado na história verídica de Christopher McCandless que, recém-formado, deixou para trás uma conturbada vida familiar e partiu numa busca por si próprio em meio a uma viagem sem grandes recursos rumo ao Alasca. Contando apenas com utensílios básicos para a jornada, McCandless, sob o pseudônimo de Alexander Supertramp, livrou-se aos poucos dos únicos bens materiais levados consigo durante a viagem, e encontrou pelo caminho personagens indispensáveis para cada momento de tal empreitada.
Contudo, a cada passo do protagonista rumo a seu destino final, mais seu objetivo principal cai por terra e percebemos como único e verdadeiro objetivo do personagem o simples desejo de vingar-se dos pais (vividos por William Hurt e Márcia Gay Harden) pelos traumas causados a ele e a irmã durante a infância.
Narrado em voz off pela talentosa Jena Malone (que faz a irmã de McCandless), NA NATUREZA SELVAGEM traz uma narrativa dividida que alterna a viagem do protagonista a outros momentos reveladores das causas dessa jornada. Tal recurso, auxiliado pela primorosa direção de Sean Penn, faz com que a trama seja incapaz de tornar-se episódica, uma armadilha comum aos filmes do gênero, auxilia no já citado embate entre os dois mundos da trama e ao mesmo tempo em que dá a jornada de McCandless uma visão onisciente, percorre um caminho inverso durante os momentos em que o passado do protagonista é contado, já que a irmã compartilha com McCandless essa parte da história.
A direção de Sean Penn mostra-se ainda mais acertada na exploração desses dois universos: ao mesmo tempo em que consegue tirar performances comoventes e intimistas de seus atores, concentrando sua câmera em detalhes, ele explora com igual talento a beleza e imensidão de suas locações e a presença de seus personagens em meio a elas.
Contando com atuações contidas, mas ainda assim comoventes de William Hurt, Catherine Keener, Brian Dierker (um não-ator), Vince Vaugh e Hal Holbrook (indicado ao Oscar pelo papel), NA NATUREZA SELVAGEM peca apenas pela atuação de Márcia Gay Harden, que mais uma vez surge caricata no papel de uma mulher perturbada que vive de aparências (ela já havia enveredado pelo mesmo caminho em SOBRE MENINOS E LOBOS).
Mas o grande nome a se destacar é o de Emile Hirsch, já que, mais do que uma visível transformação física, o personagem vivido pelo ator exige maturidade principalmente pelas transformações psicológicas que sofre com o desenrolar da trama: enquanto o jovem idealista do início do filme é apenas um menino, a última cena traz um homem que reviu conceitos, aprendeu a perdoar, e ainda assim viu-se derrotado numa batalha contra aquela que de aliada tornou-se rival.
NA NATUREZA SELVAGEM revela-se assim um filme de não apenas um único embate, mas sim de vários. O embate entre pais e filhos; o embate entre o menino e o homem; o embate entre o homem e a natureza, por muitas vezes dona de uma força esmagadora e brutal. Por fim, a redenção. Não fosse por ela NA NATUREZA SELVAGEM seria apenas mais um filme sobre um idealista que desafia o Sistema. Mas no filme de Sean Penn há redenção; e é isso que o torna tão poético, belo e universal e o eleva a patamares de obra-prima.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

Nenhum comentário: