terça-feira, 22 de março de 2011

NATIMORTO


Em “Natimorto”, o universo de Lourenço Mutarelli, que também baseou “O cheiro do ralo”, mantém-se pulsante: relações incomuns, figuras estranhas, ambientes desagradáveis. Aqui, no entanto, a direção é de Paulo Machline, que baseia a interpretação dos atores num anti-naturalismo que se faz presente num mundo comum/inicial, mas que desaparece ao passo que, ironicamente, a relação entre a dupla – vivida por Simone Spoladore e pelo próprio Mutarelli – se torna mais e mais bizarra, revezando sentimentos como dependência e repulsa. Essa alternância, por sinal, está presente no campo imagético, seja pela alteração quase didática, e em momentos, sistemática, das cores que invadem o cenário (o verde e o vermelho dos luminosos; o verde gélido do quadro, que por diversas vezes “sufoca” a personagem de Spoladore – única cujo figurino e a maquiagem possibilitam o uso de cores quentes), seja pelo curioso trabalho de câmera, que capta um todo, para depois fragmentá-lo em detalhes. Pois são justamente os closes, a proximidade, a capacidade de atração dessas personagens, que “desorientam” por vezes a câmera, fazendo com que ela se perca pelo cenário (a boca de Spoladore nos “joga” para o carpete, por exemplo). Não é à toa que, quando a aproximação deixa de ser segura, a câmera se afasta, colocando-se a pino (olhando para as personagens como se fossem ratos de laboratório) ou priorizando planos gerais. Trata-se de um trabalho interessante, justamente por essa mise en scène da loucura, que mesmo num espaço reduzido, abre-se num leque de possibilidades. Pra fechar, me remeteu – ainda que com ressalvas – ao excepcional filme de William Friedkin: o subestimado “Possuídos”.
por ÁLVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

Um comentário:

Wellington Galvão. disse...

Adorei esse filme! Um dos mais esteticamente interessantes do cinema nacional em anos! A dupla de atores está sensacional e Machline tem um capricho em cada cena que nos hipnotiza até uma das cenas finais mais arrepiantes do cinema! Sensacional!