sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

127 HORAS

Uma incongruência de pontos de vista assola 127 Horas. James Franco, ator, compõe um protagonista cuja tragicidade de uma situação limítrofe faz com que laços emotivos sejam repensados. Danny Boyle, diretor, propõe a trajetória de um jovem que se afasta de um sistema, cujo qual descobre a duras penas, ser impossível viver sem. Histórias semelhantes já foram contadas – de maneiras muito mais honestas, diga-se de passagem. Exemplo: o recente longa de Sean Penn, Na Natureza Selvagem.
Em ambos os filmes, rapazes entre os vinte e poucos repelem o mundo social em prol da natureza – e quanto mais inóspita, melhor! No entanto, há algo simples que distancia a obra de Penn da de Boyle: em Na Natureza Selvagem, Christopher McCandless (Emile Hirsch) se exila devido a ressentimentos e à falta de compreenção que sente por aquela redoma do americano médio, iniciando um caminho de desligamento gradual que vai em direção crescente através dos encontros do protagonista com os Guardiões do Limiar (personagens que impedem momentaneamente a continuidade da jornada do herói). Tratam-se, no entanto, de Guardiões às avessas, que bloqueiam a passagem sem um intuito prejudicial; pelo contrário, são figuras representativas das relações afetivas do passado e daquilo que se pode estar perdendo.
Em 127 Horas, Aaron Ralston (James Franco) parece se isolar por pura indiferença, apatia, mas não há exatamente uma crise, apenas a busca de um cara, cujo ego é um tanto quanto inflado, por um pouco de adrenalina/movimento. Ele se isola do mundo, e é assim que o conhecemos na sequência de abertura: solitário em seu apartamento, numa imagem segmentada, pois a tela dividida em duas, três partes, coloca simultâneamente multidões díspares ao lado da imagem do protagonista.
Aparentemente, trata-se de um conto moral sobre a impossibilidade de sobrevivência sem laços sociais e afetivos, mas a real intenção de Danny Boyle é clara nessa sequência de abertura: vemos pessoas e delas desembocamos no espaço urbano. Daí às marcas McDonalds, Burger King, Taco Bell, KFC, é um pulo. Na esfera imagética, são os luminosos dos fast-foods que ficam para trás quando Aaron parte para a aventura; não os pais, irmãos e namorada. Ele abandona a família, mas, sobretudo, um sistema, e para Boyle, isso sim é condenável.
A história que interessa ao diretor é, portanto, a de um homem que sente falta de sua bebida energética, da água encanada, das facilidades do dia-a-dia, ainda que James Franco tente “boicotá-lo” não intencionalmente. Pois para Franco, Aaron Ralston tem sua redenção na família e isso está na força da interpretação e dos monólogos em frente à câmera. Os flashbacks – recurso que salva Quem Quer Ser um Milionário? da completa imoralidade, justamente por, em sua incompetência, romper com transparência fílmica – aqui de nada adiantam: se há verdade em 127 Horas, ela está calcada no ator, não na mise en scène ou na montagem, publicitárias ao extremo (não seria absurdo se o personagem sacasse um Gatorade na cena da piscina, fazendo um típico comercial da bebida).
Por fim, algo recorrente na carreira de Danny Boyle: a obsessão por figuras que vão ao inferno – ou mergulham na merda (literalmente, no caso de Trainspotting e Quem Quer Ser um Milionário?) - antes de se reerguerem. Trata-se do grande controlador, que faz de seus personagens meros títeres a sua disposição, e ao final, dissimula certo carinho por esses “bonecos” ao propor o happy end através da superação. Antes disso, porém, a violência para com tais personagens já sofreu forte espetacularização, aqui, traduzida na câmera dentro do braço a ser amputado, perfurando músculos, cutucando o osso. Claro, também resultado direto desse “dever” de colocar a câmera em todos os lugares, de fragmentar o filme a ponto de prejudicar a única coisa que aqui vale a pena: a capacidade de entrega do ator.

*ps: quem quiser ver um bom filme de Danny Boyle, procure Sunshine – Alerta Solar.

por ÁLVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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