domingo, 5 de dezembro de 2010

A REDE SOCIAL

Vetores igualmente trágicos se contrapõem em A Rede Social. Dois garotos, Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin, alunos de Harvard e melhores amigos, até que se prove o contrário. O primeiro tem a obsessão de pertencer a um clube, que para ele, “proporcionam uma vida melhor”, ou seja, tem um desejo desesperado de integrar-se minimamente a um círculo social pretendido. Enquanto não atinge esse objetivo, menospreza e humilha àqueles a quem subjulga. O segundo, além de sociável, bonito e rico, está a um passo de integrar um desses clubes. Quando Zuckerberg recebe a réplica da namorada (agora ex), a quem ele diminuía sempre que possível, uma sociedade se forma entre os dois amigos: algo que os une e os separa até que, por fim, haja a mudança de um deles.
Harvard aparece pela primeira vez num cotidiano noturno e tudo parece nos conformes. No entanto, Zuckerberg surge no cenário e a trilha, antes agradável, solta os primeiros acordes dissonantes, algo que continua num crescendo incômodo enquanto acompanhamos o personagem. É a segunda cena do filme: na anterior, um longo diálogo que levara ao término do relacionamento, Zuckerberg tem mais um de seus limitados laços sociais e afetivos, cortados. Não à toa, no momento seguinte, ele cruza os pátios da universidade alheio ao mundo que o cerca, ainda que faça parte dele, abafado pelos sons disformes da trilha não diegética que agora sobrepõem o mundo da mise en scéne.
A “ex” vira uma obsessão, assim como o desejo de se encaixar em determinada esfera, anseio bastante comum a anti-heróis como Zuckerberg. Ele tem a ideia equivocada de que, ser aceito é ser respeitado, e ser respeitado é sinônimo de ser temido. Tem também absoluto pavor da rejeição, e logo, se não há como impedi-la, o melhor é alimentá-la. Tem-se, portanto, um personagem complexo: a ânsia pela aceitação faz com que Zuckerberg atropele quem quer que seja. No entanto, qualquer fio de atenção ou admiração o satisfaz, mesmo que elas venham acompanhadas de tristeza, medo ou rancor.
Se a tragédia de Zuckerberg está nessa destrutiva capacidade de fazer com que os outros se afastem, a de Saverin é, justamente, oposta. Altruísta ao extremo, ele é aquele que, quando não tenta integrar o amigo, está ao menos procurando dar-lhe algum conforto, e é tocante a cena em que ele interrompe os amassos na cabine de um banheiro, só para ter certeza de que o Zuckerberg, provavelmente virgem, está se saindo bem com a garota na porta ao lado.
O rosto propositalmente impassível de Jesse Eisenberg e a interpretação de Andrew Garfield, que trabalha com um jogo de motivações opostas e recorrentes (crença x desilusão), dão maior tonacidade a esses personagens. Já David Fincher volta a um tom mais sóbrio depois do melodramático e pretensamente poético, mas aborrecido, O Curioso Caso de Benjamin Button. Adotando enquadramentos sempre precisos, Fincher constrói o mundo de Zuckerberg pré-facebook, através de imagens “voláteis”, não no sentido da montagem (duração das imagens), mas sim da utilização das cores lavadas, da imagem enevoada e dos leves desfoques. Para o cineasta, é como se o mundo do protagonista só se tornasse concreto depois da rede social, e é só a partir daí que imagem merece tal materialização.
Ao final, o rosto de Zuckerberg, enquanto este atualiza obssessivamente a página do facebook da ex-namorada, na esperança de que ela o tenha aceitado como amigo. Ela que, no inicío, o chamara de idiota. Agora no fim, outra personagem contradiz: Zuckerberg não é um idiota; só se esforça ao máximo para sê-lo. A imagem síntese do personagem é, portanto, aquela em que ele, sozinho observa o interior de uma “vitrine”(na verdade, a porta da casa), onde Sean Parker (Justin Timberlake) festeja o êxito do facebook cercado de pessoas, enquanto ele permanece do lado de fora, impossibilitado de pertencer de forma real àquele mundo. A tragédia de Zuckerberg só não é pior do que a de Saverin: aquela dos que crêem em excesso e, da pior forma, perdem a inocência e a fé. Há, por fim, mudança, e ela é bastante sintomática dos dias de hoje.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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