sábado, 27 de março de 2010

UM OLHAR DO PARAÍSO

Em “Um olhar do Paraíso”, uma garota de 14 anos lida com o desejo de vingança que nutre por seu assassino enquanto narra o cotidiano de sua família após a perda, diretamente de uma espécie de paraíso em que se encontra. Em “Almas Gêmeas”, duas garotas criam um mundo imaginário e quando percebem que este é ameaçado, planejam um crime. É inegável que Peter Jackson retorna aos temas do filme dirigido por ele e protagonizado por Kate Winslet em 1994, neste “Um olhar do Paraíso”, havendo também uma semelhança de abordagem, sobretudo, na construção do universo fantasioso que surge dentro do filme.
Pois o paraíso aqui construído é parecido ao de outrora. É infantilizado, dotado de uma visão bastante pueril do imaginário que se tem do cenário (paisagens imensas, campos de trigo, árvores enormes, etc). Bem verdade, não raras as vezes, afloram sobre a tela paisagens típicas dos wallpapers do windows. Em “Almas Gêmeas” já era assim (claro, guardadas as devidas proporções dos efeitos visuais). O mundo concebido por Jackson é exagerado em sua atmosfera de sonho, beirando, muitas vezes, o kitsch. Não se pode dizer, no entanto, que tais mundos não são condizentes com as histórias que estão sendo contadas, e muito menos com suas protagonistas.
Se o paraíso de Susie Salmon (Saoirse Ronan) é um verdadeiro potencializar de tudo o que se espera de um paraíso, é porque a personagem exige essa demanda. É disso que Jackson quer tratar: da inocência, da pureza, da infância, da imaginação, algo que pode se quebrar de uma maneira atroz, como ocorre com a própria protagonista que deixa-se seduzir justamente por um encantamento, uma curiosidade pueril que tem pela oferta de seu assassino. Susie mergulha então em seu mundo escapista e encantado, muito embora se veja as voltas quando lembra que sua família permanece estagnada na tragédia, algo que, somado ao desejo de vingança, impede a garota de seguir adiante. Quando resolve finalmente encarar seus medos (o reencontro com o homem que lhe tirou a vida e a forma com que fora assassinada), Susie tem seu mundo transformado, mergulhando num ambiente sombrio, que tem seu auge na cena em que ela explora a casa de seu assassino, caindo a partir de cada cômodo em diferentes cenários em que outros como ela foram executados. Tal como acontecia em “Almas Gêmeas”: a medida em que sua amizade era ameaçada, o mundo imaginário de Pauline (Melanie Lynskey) e Julie (Kate Winslet) tornava-se mais sombrio e ameaçador.
Em meio ao mundo absurdo que materializa metaforicamente a dor vinda do mundo real, Jackson encontra espaço para o suspense. A irmã mais jovem da falecida Susie, resolve reunir provas para que a culpa recaia sobre o assassino. A montagem paralela nos fornece a garota vasculhando a casa e o homem retornando ao mesmo local. A garota encontra um livro de pistas e passa a folheá-lo página por página, como se necessitasse de cada uma delas, de cada detalhe, para chegar à última, em que o crime é confirmado. Vítima e algoz já estão dentro da casa. A mise èn scéne dilata a ação. Quando a vítima faz um mínimo ruído, o homem avança escada acima, furioso, com os dentes crispados, a câmera de frente para ele, acompanhando o bote de perto. A cena não só constrói a tensão, como exacerba o personagem vivido por Stanley Tucci: ele é simplesmente o maníaco, o algoz, não tem profundidade alguma. Tucci é hipnótico em simplesmente encarnar uma figura plana: o mal. Tal como Wahlberg e Ronan: ele fazendo um pai que na dor encontra a letargia; ela, a garota assassinada, personagem mais complexa do filme justamente por exacerbar sentimentos conflitantes (o seguir adiante X o concluir do passado/ a inocência da infância X a impulsividade da adolescência).
Perdem-se Rachel Weisz e Susan Sarandon, cujas personagens nada vão além da superficialidade. Pode-se até tentar defendê-las alegando que essa busca por uma tridimensionalidade dos personagens não era intuito do diretor e que o foco talvez fosse o aflorar de um mundo alicerçado em questões interminadas, mal resolvidas por parte daquela que partiu. Mas há também a possibilidade de tudo não passar de um grande equívoco, já que a mistura entre suspense, drama e fantasia é de uma surpresa proporcional à incoerência. No entanto, uma coisa é certa sobre este “Um Olhar do Paraíso”: não foi à toa, que público e crítica torceram o nariz para o novo filme de Peter Jackson. Ele com certeza criou um objeto estranho.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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