quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ

Há dois momentos-chave que resumem a verdadeira temática de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ. No primeiro deles, um determinado personagem ferido a tiros aborda um grupo de jovens e dá a um deles 500 pratas por um casaco de couro, a fim de disfarçar seus próprios ferimentos. No outro, um segundo personagem é socorrido por dois garotos após sofrer um grave acidente de carro e oferece a eles algum dinheiro em troca de uma camisa. Não bastasse a surpreendente recusa de um dos garotos que insistentemente deu-lhe o pedido sem nenhum custo, tal personagem tem ainda que contar com a ajuda de seu jovem bem-feitor na imobilização de uma fratura exposta.
Nas duas cenas, dois homens de personalidades bastante distintas, fragilizados por situações desesperadoras, cruzam com indivíduos que diferem, sobretudo na idade: uma diferença aparentemente simples, mas que poderá vir a ser fundamental no destino de pelo menos um deles.
O primeiro homem, um texano comum que encontra dois milhões de dólares perdidos em meio a uma chacina no deserto. O segundo, um assassino a sangue frio que fará de tudo para recuperar o dinheiro. Há ainda um terceiro: um desiludido xerife já de idade que passa a trama tentando localizar mocinho ou bandido, mas são raros os momentos em que consegue realmente se aproximar do caso. A diferença entre os dois primeiros é basicamente uma questão de caráter. Mas só quando comparados ao último (e juntamente ao grupo de jovens e aos dois garotos das já citadas cenas) é que fica claro o ponto que rege a trama do filme adaptado e dirigido pelos irmãos Cohen: nada mais, nada menos do que o tempo e as atrocidades que este pode causar.
Mais do que comparar a inocência dos garotos da camisa ao caráter facilmente corruptível dos jovens do casaco, ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ é um verdadeiro estudo de personagens e das conseqüências sofridas por estes pela ação do tempo, especialmente no que se refere ao trio protagonista. Faz assim um verdadeiro choque de personalidades e características de indivíduos de diferentes gerações, algo bastante visível enquanto acompanhamos o jogo de gato e rato que se desenrola no filme.
Assim, quando o “mocinho” (se é que existem mocinhos nesse filme) Llewelyn Moss (Josh Brolin) encontra a quantia de dois milhões de dólares abandonada no deserto, sua ambição logo o faz deixar sua pacata vida familiar para trás e iniciar uma fuga constante, sempre perseguido de perto pelo assassino Anton Chigurh (Javier Bardem). Enquanto os dois protagonizam uma caçada frenética, o xerife Bell (Tommy Lee Jones) tenta solucionar o caso sem grande sucesso, em parte por seu pessimismo diante às barbáries por ele presenciadas, em parte pelo cansaço imposto pela própria idade.
Por fim, ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ constrói figuras complexas, baseadas na interpretação de seus atores. Assim, por mais esperto que o personagem criado por Josh Brolin pareça ser, sua inocência (embora disfarçada num homem fisicamente embrutecido) jamais nos faz acreditar que ele seja páreo para Anton Chigurh. O personagem criado por Javier Bardem, por sua vez, é um show a parte: frio e dono de uma tranqüilidade assustadora e desconcertante, Anton Chigurh mata sem titubear; seu único sinal de piedade é colocar a vida de algumas vítimas num jogo de cara e coroa (e o roteiro dos Cohen é brilhante ao criar momentos como quando descobrimos o destino de certa personagem através de uma simples verificada que o assassino dá em suas botas). Por último, Tommy Lee Jones interpretando uma figura cansada que no único momento em que cruza o assassino, tem sua vida poupada por não ser considerado um inimigo a altura por conta da idade.
Em ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ o xerife Bell representa a impotência, o cansaço e a desilusão da experiência perante a brutalidade de homens como Anton Chigurh. A violência de Chigurh, por sua vez, é contraposta à inocência de Moss. E assim, os irmãos Cohen disfarçam num thriller com toques de western, questões muito mais profundas do que aparentemente são. ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ é, enfim, um filme que trata de um embate entre gerações: a impotência daqueles considerados “fracos” diante da truculência do mundo atual.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sábado, 23 de fevereiro de 2008

OSCAR 2008: PALPITES

Às vésperas do Oscar é impossível deixar de entrar na brincadeira (e ressalto a palavra brincadeira, já que como tudo neste blog, as linhas que seguem abaixo são opiniões estritamente pessoais, sujeitas a discordâncias civilizadas) e dar meus palpites e pitacos sobre a premiação mais charmosa e divertida do ano (e vejam que em momento algum disse ser a melhor, embora ache que o Oscar tem sido uma premiação bastante criteriosa e interessante nos últimos anos). Vamos à vaca fria:

MELHOR FILME

Se DESEJO E REPARAÇÃO estivesse concorrendo há coisa de nove ou dez anos, certamente seria o favorito. Hoje, numa premiação que prefere filmes mais intimistas ou politizados, o romance dirigido por Joe Wright (vencedor do Globo de Ouro e do Bafta) corre por fora ao lado de CONDUTA DE RISCO. No páreo mesmo estão o favorito ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, dos Cohen, SANGUE NEGRO, de Paul Thomas Anderson, e o independente JUNO, de Jason Reitman, certamente o candidato que mais cresceu desde a indicação, deixando para trás a posição de azarão e ocupando agora a prefêrencia de 70% do público americano entre os candidatos ao Oscar de Melhor Filme. Resumindo, ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ é ainda o grande favorito, mas há sim possibilidades de tanto SANGUE NEGRO quanto JUNO serem as zebras da noite.

MELHOR DIRETOR

Se JUNO deixou a posição de azarão no desenrolar da disputa, seu diretor permaneceu nela e tem chances quase nulas de levar a estatueta. Aliás, nem o vencedor do Globo de Ouro Julian Schnabel (O ESCAFANDRO E A BORBOLETA) tem lá grandes possibilidades, numa disputa que deve ser acirrada entre os Cohen e Paul Thomas Anderson, mas que deve acabar favorecendo os irmãos diretores de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ.

MELHOR ATOR

Daniel Day-Lewis é quase que unanimidade e deve levar a estatueta de Melhor Ator. Enfim, não será dessa vez que verei Johnny Depp ou Viggo Mortensen subirem ao palco.

MELHOR ATRIZ

A categoria mais acirrada da noite, conta com uma leve vantagem para Julie Christie, interpretando uma personagem que sofre do mal de Alzheimer, em LONGE DELA. Aliás, é justamente o que me incomoda na candidatura da atriz: sua indicação aparenta dar maior importância à densidade da personagem do que à interpretação de Christie. Prova disso é que há alguns anos, Judi Dench e Kate Winslet foram indicadas por viverem uma personagem que sofria da mesma doença. Assim, torço para que Marion Contillard tenha seu magnífico trabalho em PIAF reconhecido, mas confesso que ficaria encantado caso a doce Ellen Page levasse por JUNO.

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Javier Bardem, por ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ. Alguém dúvida?

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Sempre apostei na vitória de Cate Blanchett, mas seu Bob Dylan em I'M NOT THERE deixou de ser o favorito da noite. A aposta da vez é Ruby Dee por seu desempenho em O GÂNGSTER.

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Estatueta praticamente dada à JUNO, embora CONDUTA DE RISCO e RATATOUILLE ainda continuem na briga (mesmo com chances pequenas).

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Mais uma vez ficará entre ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ e SANGUE NEGRO, mas a vitória novamente deverá ser dos irmãos.

MELHOR ANIMAÇÃO
Uma das categorias mais acirradas da noite. Não, TÁ DANDO ONDA não tem a mínima chance, além do mais, um pinguim já ganhou ano passado. A briga será entre os aclamados RATATOUILLE e PERSÉPOLIS, com uma ligeira vantagem para o ratinho Remy (aliás, sempre comentou-se a grande possibilidade da animação da Pixar estar presente entre os candidatos à Melhor Filme. O burburinho não se concretizou, mas RATATOUILLE, saiu com um número alto: cinco indicações).


por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

JUNO

JUNO vem sido exaustivamente chamado de LITTLE MISS SUNSHINE do ano (inclusive por este blogueiro que aqui escreve). Mas será que tal comparação é mesmo justa? Sim, o longa de Jason Reitman, se assemelha muito ao dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris, já que ambos se baseiam naquilo que têm de mais precioso, para contar histórias que, com sutileza e bom humor parecidos, são retratos bem mais ambiciosos do que os aparentemente propostos a princípio.
Mas não se engane: por mais parecido que possam ser os produtos, suas fórmulas são bastante distintas em sua posologia. Assim, enquanto MISS SUNSHINE abranda sua deliciosa acidez através de muita doçura, JUNO percorre justamente o caminho inverso; dá a sua trama aparentemente doce, altos toques de sarcasmo e alguns requintes de crueldade. Acaba revelando-se em seu desenrolar, uma obra dolorosa que, não só faz críticas à instituições como a família e o casamento, como vai além, tocando em questões mais profundas como a juventude e o tédio.
Perguntando-se ainda qual a maior preciosidade de JUNO? Fácil, o mesmo que LITTLE MISS SUNSHINE tinha de melhor, um roteiro primoroso. Incrivelmente bem lapidado, o script escrito pela ex-streapper Diablo Cody é uma verdadeira jóia por desdobrar a fundo uma história aparentemente simples, transpô-la para o atual universo adolescente e habitá-la com figuras complexas, que vividas com grande afinco pelo elenco, dão vida aos diálogos espertos criados pela roteirista.
Sempre focando o relacionamento da adolescente Juno (Ellen Page), com os demais personagens de seu universo limitado (afinal, ela é apenas uma garota interiorana que, aborrecida pelo tédio, resolve transar com o melhor amigo), o roteiro trilha caminhos interessantes e constrói relações poderosas, como o amor maduro e sincero (embora envergonhado) que a protagonista sente pelo melhor amigo e pai de seu filho Paul Bleeker (Michael Cera). Há ainda uma melhor: a amizade dela com pai adotivo de seu bebê. Controlado pelas vontades da esposa Vanessa (Jennifer Garner), não demora para que o até então aparentemente feliz e bem-casado Mark (Jason Bateman) se apaixone por Juno, e é justamente aí que o filme toca numa questão crucial. Mais do que se apaixonar pela própria Juno, o frustrado compositor apaixona-se, sobretudo pela juventude, pela rebeldia, e por que não dizer, pela excentricidade da garota, que prestes a dar a luz, trata o assunto sem grande importância.
Se por um lado JUNO retrata o deslumbramento que essa irresponsabilidade adolescente possa vir causar, por outro, traz uma geração de adolescentes que sem grandes motivações, permanece presa ao aborrecimento e a acomodação. Trazendo o tédio como desculpa para o sexo entre a protagonista e o amigo, aliado a passividade da personagem vivida por Jason Bateman, o filme de Jason Reitman, assemelha-se aí ao também independente RETRATOS DE FAMÍLIA, de Phil Morrison, que coincidência ou não, trazia em sua trama personagens passivas que tinham suas vidas mudadas por uma gravidez indesejada.
Repleto de boas atuações, JUNO destaca Michael Cera (SUPERBAD), vivendo o tímido e desajeitado Paul Bleeker, como um nome a se dar atenção, e reafirma o talento já conhecido da jovem Ellen Page (MENINAMÁ.COM). Indicada ao Oscar por sua atuação, Page faz sua mocinha oscilar entre o excêntrico e o adorável. Seu jeito debochado é capaz de fazê-la despejar as mais difíceis verdades através da boca, e é isso que faz dela uma personagem de tamanha complexidade.
Em JUNO, tudo o que sua protagonista quer é seguir adiante, seja lá do que tenha que abrir mão. Assim, em determinado momento quando têm seus planos quase que arruinados, a garota estaciona o carro e chora, enquanto um trem segue a todo vapor no outro canto da pista. Ela se recompõe e segue adiante. JUNO é assim, dono de um otimismo desconcertante e cruel, daqueles que te faz crer que só há final feliz se houver dor.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sábado, 16 de fevereiro de 2008

VESTIDA PARA CASAR

Apesar de aparecer aos montes nas telas, a comédia romântica torna-se dia após dia um gênero cada vez mais desgastado, sobretudo graças a seus principais marcadores incansavelmente explorados. VESTIDA PARA CASAR, de Anne Fletcher, segue a risca a cartilha que rege os filmes do gênero, mas conta com um diferencial capaz de dar um salto de qualidade ao produto: sua estrela principal, a atriz Katherine Heigl.
Revelada como coadjuvante na série GREY’S ANATOMY, um dos maiores hits da televisão norte-americana nos últimos anos, o talento de Katherine Heigl sempre foi algo bastante questionável, principalmente quando comparado ao de suas companheiras de elenco Sandra Oh e Chandra Wilson, que além de talentosas, são ainda infinitamente mais experientes do que a jovem atriz. A grande sacada de Heigl foi usufruir de uma característica própria, nem sempre encontrada em boas atrizes, em prol não apenas de uma personagem, mas de todas elas: seu carisma e simpatia.
Assim como conquistou espaço próprio no seriado, Heigl acabou surpreendendo por sua recente atuação em LIGEIRAMENTE GRÁVIDOS, e neste VESTIDA PARA CASAR não faz diferente. Bem verdade, ela praticamente carrega o filme nas costas, com uma pequena ajuda de seu companheiro de cena, o promissor James Marsden, de ENCANTADA e HAIRSPRAY.
Mas o encanto de VESTIDA PARA CASAR não está apenas no charme da atriz (que é algo entre Julia Roberts e Audrey Hepburn), e sim na forma como ela desenvolve sua personagem, principalmente durante os dois primeiros atos, onde o filme caminha doce, mas com certa acidez e centra-se quase que exclusivamente em sua protagonista, deixando o romance açucarado de lado.
Infelizmente, VESTIDA PARA CASAR acovarda-se em seu último ato, entregando-se de vez à fórmula que leva ao “felizes para sempre”. Ainda assim sobressai-se dentro de um gênero pra lá de batido graças ao charme e talento (sim, ela tem!) de Katherine Heigl, um nome que com certeza ainda será bastante falado.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ