quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O NEVOEIRO

Em A BRUMA ASSASSINA, de John Carpenter, a misteriosa névoa que repentinamente encobre a pequena cidade de Antonio Bay é, quase sempre, mais aterrorizante do que mortos-vivos trazidos por ela. Em O NEVOEIRO, é difícil saber o quão influenciado o diretor Frank Darabont foi pelo clássico da década de 80 (se é que o foi, já que não se trata de um remake da primeira produção), muito embora ele retome aqui aquilo que o filme de Carpenter tinha de melhor, ou seja, a neblina como um elemento sobrenatural implacável, desencadeante de um terror desconhecido, do qual não se pode fugir, mas apenas temer (e pode-se fazer um paralelo com o vento do filme de Shyamalan).
O que atrai em O NEVOEIRO é justamente o medo do desconhecido que o fenômeno em si representa dentro do filme. Claro que com o desenrolar da trama, o inimigo é aos poucos revelado, mas ainda assim sem ter sua natureza ou seu verdadeiro potencial de destruição totalmente desvendados. A história se passa em sua maior parte num único cenário e o mundo exterior a ele é completamente opaco. A ausência de informações sobre a presença da estranha neblina, e o conhecimento único de que há algo de mortal nela, faz com que alguns habitantes da região atingida pelo fenômeno fiquem enclausurados num pequeno mercado, e passem a observar atentamente pelas grandes vidraças do local (que são também o calcanhar de Aquiles do abrigo) a espera de notícias. Da janela o que geralmente se vê é o nada, mas há também a possibilidade de se ver qualquer coisa, já que a brancura exterior passa a revelar criaturas inimagináveis sem o menor aviso prévio e é essa idéia do inesperado vindo a qualquer instante que é aterradora.
O confinamento e o ataque das primeiras criaturas iniciam uma série de conflitos, dentre eles o descaso daqueles que não crêem sem ver (e temos aí o primeiro questionamento religioso do filme) e o radicalismo daqueles que utilizam a fé de forma questionável, como é o caso da Sra. Carmody, personagem chave ao filme, vivida por Márcia Gay Harden (uma expert na caricatura de mulheres perturbadas, cuja interpretação exagerada aqui se encaixa perfeitamente à personagem). Aparentemente “apenas” uma fanática religiosa, a Sra. Carmody acaba gradualmente se revelando uma das criaturas mais monstruosas da trama, aproveitando-se do medo e da fraqueza de seus companheiros de clausura para convertê-los, pregando a idéia de que para a salvação da ira Divina deve-se haver auto-sacrifício e sangue. Assumindo uma postura messiânica, a personagem desencadeia o caos dentro daquela pequena sociedade vista ali. Uma sociedade onde já não existem mais leis, regras ou bom senso. É a partir dessa idéia que O NEVOEIRO traz questionamentos políticos que, embora muitas vezes didatizados pelo roteiro, trazem ainda mais força a um filme, que a princípio poderia ser considerado apenas um terror B.
Fazendo o já conhecido contrapondo entre ciência e fé (e aqui não há salvação pela ciência, já que em determinado momento um personagem diz ter sido ela a responsável por tal situação, mas sem dar maiores explicações), O NEVOEIRO discute, enfim, a idéia de salvação num mundo extremizado, sem quaisquer perspectivas futuras. Num filme onde a fé é recorrentemente vista de forma distorcida, pode-se até acreditar que os céticos são os únicos que têm ali uma chance real. Mas o último ponto de virada do filme faz tal idéia desabar. O olhar assombrado de um menino pontua a mais terrível tragédia que o filme nos podia apresentar. É a cena mais impactante e certamente a que eleva a obra a um algo mais. Num mundo onde pouco se vê, conceitos e crenças tomam formas distorcidas, além de correrem o risco de serem facilmente manipulados. No filme de Darabont (baseado num conto de Stephen King) a fé pode e deve sim ser fonte de salvação, mas corre-se sempre o grande risco dela pender para o lado errado e tornar-se um caminho rumo à perdição.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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