sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Reciclando com Gilberto Braga

Paraíso Tropical chegou ao fim, e com seu grande mistério enfim revelado, fica difícil ignorar as semelhanças entre esta e a obra antecessora do autor Gilberto Braga. A começar pelo último capítulo: se hoje nos foi revelado que o grande assassino da novela das oito era o já grande vilão da história, o inescrupuloso Olavo (Wagner Moura), há três anos o mesmo ocorria na bem-sucedida Celebridade; Laura (Claudia Abreu), a invejosa alpinista social que aprontou poucas e boas para destruir a rival Maria Clara (Malu Mader), nos era apresentada como a assassina do milionário Lineu Vasconcelos (Hugo Carvana).
Não é a primeira vez, e com certeza não será a última, que o autor utiliza-se do “quem matou” como recurso para segurar a trama, afinal, o mesmo Gilberto Braga mobilizou o país durante treze dias em 1989, com a pergunta “quem matou Odete Roitman?”. Utilizara-se ainda deste mesmo recurso em Água Viva (1980) e Força de um Desejo (1999).
As “coincidências” (se é que alguém acredita que as são) não param por aí. O clímax de Paraíso Tropical, a cena em que o plano de Olavo é desmascarado perante a mãe, ao irmão e aos mocinhos da trama, é uma verdadeira cópia do mesmo instante narrativo de Celebridade, onde Laura, em seus últimos suspiros, confessava ao mocinho Fernando (Marcos Palmeira) os mínimos detalhes do crime que durante cem capítulos movera a história. Ao expectador, era permitido então assistir ao tal crime, a partir de um flashback que se costurava a narração da personagem, tal qual vimos hoje em Paraíso Tropical. Ainda nas duas cenas, vale ressaltar a ausência das heroínas de cada história, e a morte de não apenas um, mas de dois vilões de cada uma delas; se hoje os irmãos Olavo e Ivan (Bruno Gagliasso) levaram seu ódio as últimas conseqüências, há alguns anos os amantes Laura e Marcos (Marcio Garcia) tinham um final trágico após um mal-sucedido seqüestro e um embate com outro vilão da trama, o jornalista mau-caráter Renato Mendes (Fábio Assunção, que definitivamente se sai muito melhor como bandido do que como mocinho).
Mais provas de que Paraíso Tropical é apenas uma boa reciclagem de Celebridade (e consequentemente de tudo o que vimos na teledramaturgia brasileira)? Se em ambas as tramas tivemos um casal de protagonistas sem sal, em ambas tivemos vilões marcantes. Alias, pode-se dizer que se há algo que Braga saiba realmente fazer (além de reciclar) é criar uma trupe de vilões interessantes. Passando por Odete Roitman e Maria de Fátima (Glória Pires), de Vale Tudo, chegamos a Renato Mendes e os casais Laura e Marcos e Bebel e Olavo. As semelhanças entre os casais das duas novelas vão além do apelido de “cachorra” que tanto Laura, quanto Bebel receberam de seus parceiros. Laura e Marcos, Bebel e Olavo eram vilões humanizados, que tropeçavam a cada passo que avançavam em seus ambiciosos planos e mantinham relacionamentos ardentes que proporcionavam um toque cômico a suas personalidades dramáticas. Assim, facilmente caíram nas graças do público, que inclusive torcia por um final feliz, especialmente para os personagens de Wagner Moura e Camila Pitanga.
Enfim, para citar uma última semelhança entre os dois últimos trabalhos do autor, vale destacar o romance teen presente nas duas novelas. Se em 2004, o personagem de Paulo Vilhena se via as voltas num triângulo amoroso completado por Juliana Knust e Bruno Gagliasso, o personagem mais recente do ator viveu a mesma situação, desta vez ao lado de Patrícia Werneck e Gustavo Leão.
Indo aos prós e contras de Paraíso Tropical, a primeira coisa a se destacar é a homogeneidade no desenvolvimento de tramas e personagens. Ali, quase todos (com raras exceções) tiveram sua história e momento próprio. Os que não tiveram, ou se destacaram pouco, como os personagens de Débora Duarte e Reginaldo Faria, estavam sempre ativos em tramas as quais estavam ligados.
Das tramas e seus conflitos não há muito que destacar. Paraíso Tropical não inovou em conteúdo e conflito. Destacou-se, porém, através de diálogos bem escritos, personagens bem construídos e certa agilidade em sua narrativa.
No elenco, Vera Holtz (Marión) e Tony Ramos (Antenor) fizeram trabalhos primorosos ao criarem dois dos melhores personagens da trama; Marión em especial, por ser uma das poucas personagens, ao lado de Virgínia (Yoná Magalhães) a transitar por quase todos os núcleos da novela. René de Vielmond exibiu carisma suficiente para estender sua participação até o fim da trama, Alessandra Negrini saiu-se bem como a boazinha Paula (embora infinitamente melhor como a irmã má Taís), Camila Pitanga fez da caricata Bebel uma das queridinhas do público, e por fim Wagner Moura, que fez de Olavo um vilão dissimulado, sem ser canastrão ou beirar o caricatural.
Quanto ao último capítulo, fica valendo o final surpreendente e bem amarrado envolvendo a família Novaes (Marión, Olavo e Ivan) e sua ligação ao empresário Antenor Cavalcanti (Tony Ramos) e a importância do cafetão Jader (Chico Diaz) na revelação deste segredo final (que acaba tornando-se muito mais interessante do que a identificação de Olavo como assassino de Taís). O restante do capítulo é marcado por irregularidades e “buracos” nos que diz respeito às motivações de alguns personagens. Afinal, o que aconteceu com todo aquele amor de Bebel por Olavo? E o de Tatiana por Ivan? Ela simplesmente vê o assassinato do namorado numa cena forte e dramática e logo depois surge numa cena cômica “pentelhando” a ex-sogra que virou camelô? Enfim, irregularidades típicas de um último capítulo corrido, que se propôs a resolver inúmeras tramas em pouco mais de uma hora.
Co-escrita por Ricardo Linhares, Paraíso Tropical termina com um saldo positivo analisando-se prós e contras. Se por um lado não se aprofunda em seu tema inicialmente central (a proposta era discutir o turismo sexual), por outro, traz bons textos, e acima de tudo bons personagens (o que vale ouro numa novela que sucedeu a pavorosa Páginas da Vida). Acima de tudo, reafirma Gilberto Braga num patamar na teledramaturgia brasileira onde talvez só se encontre Sílvio de Abreu (Belíssima). Ambos criam obras que podem não significar muito perante outros formatos de dramaturgia audiovisual, mas significam muito perante ao estático formato da telenovela brasileira.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

Nenhum comentário: