domingo, 8 de julho de 2007

RATATOUILLE

Enganam-se aqueles que acreditam no cinema como uma arte estritamente visual. Filmes como os recentes PERFUME e O CHEIRO DO RALO são provas incontestáveis de obras audiovisuais que através de imagens e sons estimulam o olfato, um dos cinco sentidos que a rigor é deixado de lado no cinema convencional. Um filme cujo plot faz parte do mundo gastronômico, portanto não poderia deixar de provocar o paladar do espectador, tarefa que RATATOUILLE cumpre com mérito junto a todas as outras propostas pela animação.

Produzida pela Disney/Pixar, RATATOUILLE teve uma estréia sem grandes estardalhaços, principalmente se comparada à recente chegada de SHREK TERCEIRO. Uma pena, já que a animação de Brad Bird (OS INCRÍVEIS) é certamente uma das obras mais interessantes e encantadoras dos estúdios de Mickey Mouse nos últimos anos.

A trama ambientada na França gira em torno do ratinho Remy, cujo sonho é se tornar um grande cozinheiro. Claro que inúmeros obstáculos separam nosso incomum herói da realização de seu sonho, dentre eles o decisivo fato de ser um rato, e a repulsão que estes causam aos humanos. Assim, RATATOUILLE cai em alguns temas comuns (o que está longe de ser ruim já que o longa os discute com esperteza e sensibilidade) como preconceito e força de vontade, mas destaca-se ainda mais quando adentra questões mais profundas (que para muitos passarão batidas), como quando questiona os verdadeiros significado e valor da arte. Mais além, o filme trata ainda do constante embate entre a obra e a crítica, questiona o verdadeiro valor do crítico perante à arte e certamente dá uma bela cutucada não só na crítica gastronômica, mas também na cinematográfica.

Adiciona-se à receita de RATATOUILLE um senso de humor apurado e uma dramaticidade geralmente incomum às animações Disney. Embora encantadora para os pequenos, a história inúmeras vezes adentra terrenos adultos (causando espanto como quando vemos de relance numa cena uma esposa apontar uma arma para o marido) o que por vezes nos faz lembrar animes, assim chamadas as animações japonesas, cuja profundidade é sempre maior do que aparenta. Sobressaem-se ainda leves tons melancólicos espalhados pela trama, talvez herdados de CARROS, outra animação bastante bela e incomum da Disney/Pixar.

Graficamente falando, o mundo concebido em RATATOUILLE é de tirar o fôlego. Além de surpreender ao conceber um belíssimo visual às externas de Paris (talvez para compensar a falta de criatividade dada à cidade futurista de A FAMÍLIA DO FUTURO), concentra-se ainda em expor detalhes interiores em seus mais mínimos detalhes (a cena em que acompanhamos Remy pela primeira vez na cozinha do Gusteau’s é estonteante apesar de tecnicamente difícil e corajosa). Há ainda um momento inspirado que mostra a sensação de Remy (e, mais tarde, a de seu irmão) ao provar uma mistura de iguarias criada por ele; diante de um fundo preto com o personagem ao lado, surgem uma explosão de cores representantes de tal paladar, acompanhada por uma música que conta com este mesmo intuito. Uma metáfora clara da gustação representada pelo audiovisual, que em muito lembra uma cena de PERFUME, onde o prazer de um personagem ao sentir determinada fragrância é comparado ao beijo de uma bela mulher.

Assim, RATATOUILLE cumpre as inúmeras funções as quais uma boa animação deve suprir. Narra uma boa história, diverte à um público da mais variada idade e enche os olhos de todos com sua beleza gráfica inovadora. Não pára por aí; rompe conceitos de seus próprios estúdios ao criar uma trama inovadora, livre de maniqueísmos e sujeita a diversas camadas de interpretação. Talvez uma das obras mais audaciosas da Pixar, que certamente merece e deverá ser lembrada por um bom tempo.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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