

Flynn é, portanto, figura bem quista dentro da escola, pela forma atenciosa com que trata a todos, enquanto Aloysius popular pela maneira rígida e ríspida com que trata os alunos. Logo, não é difícil para que a simpatia do espectador recaia sobre a figura do padre. Aloysius, porém, conta com uma certeza auto-imposta e contagiante, que faz com que a dúvida atinja não apenas a nós (o público), mas, sobretudo, a jovem irmã James (Amy Adams), instrumento essencial nas mãos de ambos os personagens. Essa certeza de Aloysius só desmorona ao fim da batalha, quando nós (e James) já fomos por ela manipulados a desconfiar de Flynn, muito embora algumas pequenas inseguranças e ambiguidades do padre passem a corroborar durante esse processo.
Na cena em questão, Flynn e irmã Aloysius reúnem-se diante da presença da irmã James com a desculpa de discutirem as festas de fim de ano. Não demora, porém, para que Aloysius transforme a discussão num verdadeiro interrogatório. Inicia-se aí uma disputa pelo poder dentro da cena, algo visível e potencializado por pequenas ações de cada personagem: a princípio, Flynn seguro de si, ocupa a poltrona de Aloysius, colocando-a ao lado de James, numa posição subordinada a ele. Porém, ao começar as acusações, Aloysius aproxima-se da janela e abrindo a persiana, incomoda o padre, que acuado física e emocionalmente, dá lugar para que a freira ocupe a posição de algoz. Irmã James, por sua vez, serve inicialmente como instrumento de Aloysius no ataque ao padre, porém, quando à sós com a colega, demonstra uma inclinação para o lado oposto, convencida pela desculpa do padre. A dúvida, portanto, oscila entre as duas figuras detentoras do poder, enquanto a jovem irmã James permanece culpada (ela teve papel fundamental no fomento da desconfiança de Aloysius) em meio ao fogo cruzado, “como se um grande dedo apontasse para ela”.
Dirigido por John Patrick Shanley, cuja carreira até então era calcada como roteirista e teatrólogo (exceto uma única experiência na direção cinematográfica nos anos 90), e embora conte com um texto bastate centrado em diálogos, DÚVIDA em momento algum é teatro filmado. Muito pelo contrário, o diretor muitas vezes inclusive parece deslumbra-se com a câmera, produzindo, sobretudo, alguns enquadramentos digamos “duvidosos” (com o perdão do trocadilho). Nada que abale um filme cuja estrutura está alicerçada num conjunto de interpretações: sejam nas das coadjuvantes Amy Adams e Viola Davis (que soma-se ao filme como uma figura cujo sofrimento a torna incapaz de se deixar levar pela dúvida), seja na presença trágica de seus protagonistas, um padre cujo caráter é questionável pelo temor e pela inquietude, e uma freira capaz de burlar fatos e, segundo ela mesma, “afastar-se de Deus”, na busca por uma verdade e uma justiça que ela mesmo duvida que seja real.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ
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