quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

VICKY CRISTINA BARCELONA

Em VICKY CRISTINA BARCELONA, Woody Allen continua sua minuciosa viagem pelo território europeu, desta vez, porém, deixando a gélida Inglaterra de MATCH POINT, SCOOP e O SONHO DE CASSANDRA para trás, e adentrando terras latinas, mais especificamente, nutrindo-se da cidade título do filme. Barcelona é personagem de inquestionável importância dentro da obra, mas divide espaço com outras duas figuras opostas, contrapostas logo a princípio: as amigas Vicky (Rebeca Hall) e Cristina (Scarlett Johanson), turistas norte-americanas recém-chegadas à cidade espanhola.
Quando Vicky e Cristina surgem na tela a oposição entre ambas trata logo de se fazer visível e uma tarja separa as duas no quadro. A narração presente em todo o filme trata então de apresentar-nos as duas protagonistas: a centrada Vicky e a passional Cristina. O embate pode até não parecer dos mais originais, mas toma proporções inusitadas com o desenrolar do filme, principalmente com o surgimento de Juan Antonio (Javier Barden), um artista que vive um conturbado relacionamento com a ex-exposa Maria Elena (Penélope Cruz). E se a apresentação das duas amigas nos é feita de forma direta, através do olhar onisciente de um narrador desconhecido, a introdução do personagem de Bardén (e consequentemente, da de Cruz) é oposta: vem através de Judy (Patricia Clarkson) que, a pedido de Cristina, faz um breve resumo do que sabe sobre o pintor, e, sobretudo, sobre a relação escandalosa entre ele e a ex-mulher. Assim, acabamos apresentados ao personagem responsável por movimentar as três protagonistas femininas que habitam a obra, ainda que antes mesmo de vê-lo, já que Juan Antonio permanece o tempo todo no extra-quadro e só surge em cena após encerrados os comentários da personagem.
Não demora para que Juan Antonio encante tanto Cristina, quanto Vicky. A diferença é que para Cristina trata-se de uma paixão pré-suposta, já que ele nada mais é do que um ideal daquilo que ela almeja, aliado a imensa vontade de arriscar-se. Talvez por isso, para Juan Antonio, Vicky torne-se, até um determinado momento, mais interessante, sendo a única pessoa capaz de confrontá-lo, mesmo estando perdidamente apaixonada. Não à toa, na cena em que Vicky finalmente rende-se ao charme dele, um jogo de plano e contra-plano ligados através de fusões faz com que ambos disputem o espaço da tela, até que um deles se renda e assim e o jogo acabe.
Essa capacidade de Vicky de rejeitar os próprios sentimentos só deixa de interessar a Juan Antonio quando este descobre em Cristina uma peça chave no relacionamento com Maria Elena. Ela que antes lhe causava apenas certa identificação, passa a ser essencial como ponto de equilíbrio na vida dos dois artistas, iniciando assim um relacionamento a três.
É aí que o contraponto inicial do filme deixa de delimitar-se a Vicky e Cristina, passando a compor o paralelismo feito entre os dois relacionamentos presentes na trama. O casamento perfeito (e incômodo) de Vicky é diretamente confrontado com Maria-Juan-Cristina. Vicky inveja a coragem de Cristina. Cristina, por sua vez, encontra o que quer; ao menos até a inquietude voltar.
Vicky e Cristina terminam tal como começaram: dividindo o quadro. Ambas partiram de um ponto, fizeram movimentos opostos, mas ainda assim seguiram numa mesma direção, numa mesma busca. Convergiram adiante. A tarja já não existe mais. Não que as duas tenham saído totalmente transformadas, mas ao menos elas têm noção daquilo que as separa e sabem das dificuldades de se encontrar um equilíbrio.
Em VICKY CRISTINA BARCELONA, Woody Allen deixa sua câmera a uma certa distância e faz com que a narração transforme-se numa espécie de diário de bordo dessa viagem. Isso faz com que haja um certo distanciamento, sobretudo, entre personagem e espectador. Não que não nos deixemos seduzir por cada um deles, mas vendo a distância os relacionamentos são mais facilmente desnudados e tudo torna-se mais claro. Ao final, Vicky e Cristina tornam-se peças óbvias: figuras cientes de suas próprias tragédias e deficiencias, que conhecem bem uma a outra, e que anseiam por se encontrar, mesmo que não saibam muito bem que caminhos trilhar para isso.


por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

Um comentário:

Anônimo disse...

Opa Faz tempo que eu não faço um comentário por aqui, primeiro gostaria de parabenizar você pelas criticas que estão muito boas mesmo...
Sobre Vicky Cristina Barcelona, nada a declarar ainda não vi o filme, tenho mais a comentar sobre Feliz Natal...
Excelente observação sobre as janelas (cortinas) abertas e fechadas, critica impressionante me fez pensar nesse filme de outra forma, além do primeiro contato que me deixou incomodado com o drama que a principio parece não ter a ver com o clima que o natal representa, quando na verdade é sobre isso mesmo que o Natal trata, não drama, mas SENTIMENTOS fortes... sejam sentimentos de compaixão e alegria ou sofrimento, desentendimento e solidão...

Mais uma vez parabéns pela crítica,
até mais abraço...
att: Luiz Felipe, Bauru SP