“Elena” é um filme sobre a morte. Sobre a
morte e um de seus legados: a memória. A realizadora Petra Costa retrabalha as
memórias que tem da irmã Elena através do filme, das imagens em movimento que,
de certa forma, são uma espécie de ressurreição do corpo morto. E é, sobretudo,
na potência das imagens de arquivo que o corpo de Elena volta à vida.
“Elena”
eclipsa arquivos e encenação. Pouca coisa é mais genuína do que os arquivos em
que Petra e Elena dançam. Mas, afinal, por que arquivar imagens de corpos que
dançam? Porque há vida neles, oras! Não é esta a beleza da imagem em movimento?
As imagens de arquivo apontam para isso, sobre esses corpos que, naqueles
registros das danças, contrariam a morte com mais força e mais verdade do que a
imagem encenada do corpo que permanece vivo – Petra flutuando sobre água. Esses
momentos em que Petra flutua buscam e conseguem ser poéticos, mas nenhuma
poesia se equipara àquela gerada pela junção das imagens de arquivo. O corpo de
Petra como autora/atriz só é tão forte quanto o corpo de Petra arquivo em um
único momento: nos planos em que ela vaga aparentemente aflita por Nova Iorque
e se confunde com o corpo-memória de Elena.
A
narração da realizadora vem para corroborar esse conflito da poesia: a voz over
oscila entre o essencial e excessivo. É indispensável para a amarração da
narrativa e genuína na maior parte do tempo, mas às vezes erra por parecer não
confiar na potência dos arquivos. Acaba por sufocar um pouco o filme.
Mas,
ao se debruçar sobre a morte, “Elena” é, sobretudo, um filme cruel. Uma
crueldade que parte da autora para com si própria ao resgatar um tempo de
sofrimento, mas que vai além quando Petra interpela a mãe sobre suas memórias.
Há uma cena singular nesse sentido: aquela no apartamento em Nova Iorque em que
a mãe rememora o momento em que encontrara a filha morta. A câmera faz uma
panorâmica pelo espaço enquanto a mãe de Petra e Elena narra. De repente, uma
pausa e um suspiro. E a voz retorna embargada. A pausa e o respirar sofrido que
a segue certamente são mais impactantes do que todo o discurso que se
desenrola. É o momento em que “Elena” para de captar a memória da morte e passa
a captar a memória da dor.
“Elena”
é, por fim, um filme de erros. Se entrega à excessos ao desconfiar da própria
poesia contida em suas imagens e, por vezes, se descontrola em sua abordagem,
principalmente no que diz respeito a esse enfrentamento entre a realizadora e a
mãe. Este texto pode ter dado a impressão de que é um filme desprezível. Pelo
contrário: é tão pessoal que se debate com um trauma entre erros e acertos. É
como os primeiros garranchos de uma criança em processo de alfabetização: há
uma tentativa de capricho, de manter a letra arredonda entre as linhas, mas a
emoção, o sentimento em torno daquilo é tão grande que extravasa. Ao se
digladiar com a memória da morte, “Elena” erra e é justamente o que o torna um
filme tão vivo.
Um comentário:
Amei este comentário sobre este filme, amei teu post,como dizes sobre o filme: "Ao se digladiar com a memória da morte, “Elena” erra e é justamente o que o torna um filme tão vivo." Gosto e preciso de textos que dizem da morte,me ajudaa fastar os fantasma da prórpia morte que teima em se fazer presente na minha vida,nos meus escritos. Obrigado, gostei demais deste post.
ps. Carinho respeito e abraço.
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