segunda-feira, 31 de março de 2008

NÃO ESTOU LÁ

A receita: junte Cate Blanchett, Heath Leadger, Christian Bale, Richard Gere aos pouco conhecidos Ben Whishaw e Marcus Carl Franklin, todos vivendo ninguém menos do que Bob Dylan. Não abra mão de coadjuvantes de peso como Julianne Moore, Charlotte Gainsbourg e Michelle Williams. Contrate um fotógrafo capaz de ajudar a conceber seus mais inventivos delírios visuais. Agora picote, bata, recorte, misture, cole e pronto, está aí NÃO ESTOU LÁ (I’M NOT THERE), novo filme de Todd Haynes (VELVET GOLDMINE). Parece simples, mas não é!
Estrelado por seis talentosos atores, NÃO ESTOU LÁ sequer pode ser cogitado como uma mera cinebiografia, pois simplesmente não é. É, na verdade, um mosaico, uma porção de recortes poéticos de um mesmo personagem. E é justamente isso que o faz tão interessante.
Sob a direção ousada de Haynes, somos apresentados a seis diferentes personagens que juntos compõem um só. Christian Bale (BATMAN BEGINS) é Jack Rollins e representa Dylan no começo da carreira. Heath Ledger (BROKEBACK MOUNTAIN) surge como Robbie Clark, a figura do cantor como patriarca. Ben Whishaw (PERFUME) é o Dylan poeta, enquanto Richard Gere (CHICAGO) o cantor envelhecido, que de uma maneira ou de outra, retorna às suas origens. Fechando o sexteto, duas das mais curiosas escalações: Cate Blanchett (indicada ao Oscar pelo papel) na versão roqueira e desacreditada de Dylan e Marcus Carl Franklin, um garoto negro que representa a infância do personagem e os primeiros passos de sua carreira, e que quando somado ao personagem de Gere, encerra um ciclo que dá liga as demais faces de Bob Dylan vistas até então (algo evidente no encontro entre os dois personagens).
Graças a sua enorme habilidade narrativa, conferida desde o roteiro até a montagem, NÃO ESTOU LÁ escapa ainda de uma armadilha perigosa na qual poderia ter facilmente caído pelo grande número de histórias e personagens apresentados: a tendência em se tornar uma trama episódica, algo que só não ocorre graças à agilidade do roteiro, à picotagem da edição e à câmera sempre inusitada e curiosa de Haynes.
Repleto de metáforas visuais (observem o Dylan de Blanchett preso pelo pé a um poste), NÃO ESTOU LÁ é muitas vezes uma obra difícil de penetrar e este talvez seja um dos poucos “problemas” do longa (além do fato de vermos pouco Christian Bale na tela, já que ele é o Dylan que menos aparece). Mas, uma vez a bordo desse verdadeiro delírio que é o filme, torna-se impossível ficar imune (e ver Ledger, Blanchett e Bale juntos já vale qualquer ingresso). Só vale relembrar que não se trata de uma biografia e sim de recortes poéticos e anárquicos que fazem jus a seus “protagonistas”.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

QUERIDOS AMIGOS

QUERIDOS AMIGOS, recém-encerrada minissérie da Globo, estreava há pouco mais de um mês cercada de grande expectativa. Havia motivos para tanto: a premissa da trama de Maria Adelaide Amaral, responsável por trabalhos excepcionais como A MURALHA, OS MAIAS e A CASA DAS SETE MULHERES, era madura e intimista, e vinha defendida por um elenco invejável composto por atores e atrizes que muito esporadicamente dão o ar da graça em produções da casa. Ou seja, um elenco com gabarito suficiente para escolher quando e onde trabalhar.
Infelizmente, limitaram-se aí os aspectos positivos da trama; na presença de um casting quase que exclusivo às minisséries globais (com nomes como Débora Bloch e Maria Luisa Mendonça), com destaque especial a atuação de Guilherme Weber, conseguindo reverter o estereótipo exagerado do homossexual Benny em prol da construção do personagem, e ao trio formado pelos sempre competentes Bruno Garcia, Drica Moraes e Denise Fraga, que tiveram aqui uma rara oportunidade de explorar papéis dramáticos em televisão.
No mais, tudo ficou na promessa. No lugar da maturidade esperada de QUERIDOS AMIGOS, viu-se um texto esquemático e excessivamente didático, principalmente no que diz respeito ao contexto histórico da trama. Quanto aos personagens, a grande maioria só se salvou do caricatural completo graças à competência de seus atores. Ainda assim, grandes nomes como Dan Stubach e Matheus Nachtergale não conseguiram fugir dos estereótipos e criaram duas das figuras mais aborrecidas da série: o protagonista Léo e o esquerdista radical Tito.
Por fim, QUERIDOS AMIGOS coleciona do começo ao fim uma série de momentos constrangedores. Haviam sim boas cenas, mas para cada uma delas, haviam outras duas de Léo brincando de mágico (fazendo surgir pombas ou jorrar purpurina do céu) ou simplesmente fazendo discursos filosóficos de botequim para os demais amigos que dão nome a trama (todos com problemas conjugais). Repetitiva, lenta e por muitas vezes, brega, não fosse o fato de ser falada em português e ter tantos talentos em cena, QUERIDOS AMIGOS poderia bem ser confundida a qualquer novelinha latina exibida no SBT, o que é decepcionante, pois fica a impressão de um caso claro onde pretensão falou mais alto do que qualidade.


por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

domingo, 23 de março de 2008

O ORFANATO


Produzido pelo diretor/produtor Guilhermo del Toro, O ORFANATO divide inúmeras semelhanças com a filmografia de seu produtor executivo, especialmente se comparado à ESPINHA DO DIABO, cuja trama também gira em torno de um abrigo para menores, e ao recente O LABIRINTO DO FAUNO, que assim como O ORFANATO foi lançado nos cinemas brasileiros como um típico exemplar do cinema de horror, muito embora sejam obras mais pendentes ao drama e a tragédia de seus personagens.
Estrelado por Belén Rueda, a trama gira em torno de Laura e seu retorno ao antigo orfanato em que fora criada. Mas a partir do momento em que ela, o marido e o filho passam a habitar o velho casarão, estranhos acontecimentos começam a perturbar a rotina familiar e culminam no misterioso desaparecimento de Simon, o filho do casal.
A trama aparentemente batida acaba se diferenciando graças as óbvias influências de del Toro na concepção do universo em que se passa a história e, principalmente, graças a inspirada direção do estreante Juan Antonio Bayona. Após um primeiro ato falho, onde personagens e conflitos são apresentados de maneira rápida e esquemática, Bayona trilha um caminho parecido ao de Walter Salles no interessante ÁGUA NEGRA, preferindo focar-se durante boa parte da projeção no sofrimento de sua protagonista, na busca pelo filho desaparecido e nas conseqüências do sumiço da criança sobre seu casamento. Optando por um caminho mais dramático, o diretor insere aos poucos os já conhecidos marcadores do cinema de horror (portas que rangem, janelas que se quebram, ruídos tenebrosos) até se entregar totalmente ao gênero em seu terceiro ato. É quando opta novamente, e ao invés de simplesmente pregar peças e sustos manjados no expectador, escolhe criar um clima de tensão constante que permanece até o desfecho da história (a câmera na mão e as consecutivas panorâmicas utilizadas pelo diretor em determinados momentos da trama só comprovam sua habilidade na utilização da linguagem a fim de provocar tensão).
Coroando o excepcional trabalho de Bayona, o design de som de O ORFANATO torna-se indispensável na criação de climas, assim como a belíssima direção de arte que dá um aconchego sombrio ao antigo casarão que nomeia a trama. Por fim, O ORFANATO destaca-se por não tentar inovar elementos típicos do filme de terror, contentando-se apenas em saber utilizá-los, o que já é muito considerando-se o desgaste do gênero ao qual pertence. Acaba sendo uma alternativa interessante para aqueles que evitam os genéricos hollywoodianos do cinema oriental, muito embora prefira apenas manter seu público tenso, ao invés de pregar meia dúzia de sustos baratos.
por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

quinta-feira, 20 de março de 2008

JOGOS DO PODER


Há dois aspectos positivos a serem conferidos em JOGOS DO PODER (CHARLIE WILSON’ S WAR): a genialidade de um roteiro repleto de tramóias políticas e bom humor, e a impressionante versatilidade de um diretor que, aos 42 anos de carreira, parece não perder a vivacidade de seus primeiros trabalhos.Dono de uma filmografia que conta com clássicos como QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF? e A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM, Mike Nichols deixa todo o peso dramático de seu último trabalho, o excelente CLOSER, para trás, e conta aqui uma história não menos intensa, mas recheada de muita acidez e sarcasmo.Em JOGOS DO PODER, assistimos os bastidores de uma guerra particular travada por um congressista norte-americano. Apoiado por uma socialite texana (Júlia Roberts) e um agente da CIA (Philip Seymour Hoffman), Charlie Wilson (Tom Hanks) é o responsável por uma série de complexas jogadas políticas que farão dos Estados Unidos os patrocinadores do Afeganistão numa guerra contra a Rússia comunista.Contando com a presença dos sempre competentes Tom Hanks e Philip Seymor Hoffman (indicado aos Oscar por sua atuação), JOGOS DO PODER traz ainda a talentosa Amy Adams (de ENCANTADA) e Julia Roberts que, apesar da boa interpretação, é desfavorecida por uma das poucas falhas do roteiro: a incapacidade de desenvolver a fundo seus personagens. Mais do que um retrato voraz da Guerra Fria, a trama de JOGOS DO PODER é quase que profética com relação aos atentados do 11 de setembro, e Mike Nichols aproveita-se disso para fortalecer ainda mais o desfecho de uma história que, apesar de complexa, é narrada com ritmo, precisão e bom humor, e certamente merece ser assistida.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

segunda-feira, 17 de março de 2008

SENHORES DO CRIME

A bem-sucedida parceria entre David Cronemberg e Viggo Mortensen vista em MARCAS DA VIOLÊNCIA, volta às telas sem o mesmo frescor de outrora, mas ainda assim num resultado não menos interessante. Cinematograficamente a altura do produto anterior dessa proveitosa união entre diretor e ator, SENHORES DO CRIME (EASTERN PROMISES) perde pontos num único item se comparado a seu antecessor: na falta de um elemento surpresa.
A trama, ambientada numa Londres gélida e claustrofóbica, traz a busca de uma enfermeira pela família de um recém-nascido, cuja mãe morrera no parto. Como guia para sua investigação, a jovem Anna (Naomi Watts) conta com um diário escrito em russo pela falecida, e é justamente a procura de um tradutor para o livro que ela acaba caindo em mãos erradas, arriscando a partir daí sua própria vida.
Aos poucos, Anna vai adentrando um universo completamente avesso ao seu: um submundo violento, masculino e brutal, onde cruzarão seu caminho homens como o aparentemente inofensivo Semyon (Armin Mueller-Stahl) e seu misterioso motorista Nikolai (Viggo Mortensen).
Chegamos aí ao verdadeiro alicerce de SENHORES DO CRIME: Nikolai e a interpretação intensa e bem-marcada de Viggo Mortensen. Encarnando um sujeito violento, dono de uma aparência intimidadora, Mortensen não hesita em dar ao personagem trejeitos propositalmente caricaturais que, na verdade, camuflam profundos segredos de seu personagem.
Em contraponto a Nikolai, a presença de Semyon (uma versão dissimulada de Don Corleone, de O PODEROSO CHEFÃO) e um interessante embate velado entre os dois personagens, que acaba tomando a trama e suprindo uma importante falha do roteiro: a fragilidade nas motivações de sua protagonista feminina.
Por fim, a comentada cena da sauna, além de expor toda a fragilidade do protagonista (e nesse ponto, a nudez do ator é um elemento interessante como construção de personagem), resume muito daquilo que pode ser visto em SENHORES DO CRIME. Diferente de MARCAS DA VIOLÊNCIA, onde a truculência era presente também nos impensáveis turn-points do roteiro (responsáveis por boas surpresas da trama) e nos cortes secos da edição, aqui a crueza da história é vista apenas através das imagens, o que talvez faça com que o atual trabalho de Cronemberg deixe um pouco a desejar se comparado ao anterior. Ainda assim, trata-se de um thriller intenso, bem dirigido e que certamente merece ser visto, nem que seja apenas pela impressionante interpretação de Viggo Mortensen.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

sexta-feira, 7 de março de 2008

SANGUE NEGRO

Em SANGUE NEGRO (THERE WILL BE BLOOD), de Paul Thomas Anderson, um curioso embate é reincidente durante todo o filme. De um lado, um homem de religiosidade inexistente que, implacável na busca por seus interesses, utiliza-se de dois de seus maiores patrimônios para alcançá-los: sua fortuna e seu conhecimento no uso da retórica. Do outro, um jovem pastor que usufrui de sua inabalável fé para benefício próprio. Ambos os personagens distinguem-se através do meio ao qual se utilizam em sua busca, mas dividem um objetivo em comum: o magnata Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) e o religioso Eli Sunday (Paul Dano) protagonizam aqui uma obsessão desenfreada pelo poder, iniciando assim uma rivalidade que poderá vir a ser mortal.
Mas há ainda um segundo aspecto a ser discutido, que levou SANGUE NEGRO inclusive a ser comparado ao clássico CIDADÃO KANE, de Orson Welles. Paralela a disputa travada pelo poder, duas outras histórias, pertencentes a um único personagem, são contadas: a da rápida ascensão financeira de Daniel Plainview e a de sua gradual decadência moral e humanitária.
Assim, é em torno da interpretação hipnótica de Daniel Day-Lewis e da composição de seu personagem que SANGUE NEGRO é construído. Surgindo como uma figura sombria e calculista, capaz de utilizar-se até mesmo do próprio filho em prol de suas conquistas, o magnata Daniel Plainview e o produto ao qual explora (o petróleo), parecem contagiar as escolhas de Paul Thomas Anderson na concepção do filme. Não por menos, a fotografia vencedora do Oscar é árida e sombria, os cenários e figurinos exalam a miséria do personagem e daqueles por ele manipulados e a trilha sonora composta pelo Radiohead é tão perturbadora quanto o protagonista. Maior do que tais evidências, só mesmo a câmera de Paul Thomas Anderson que parece sofrer uma atração magnética por Daniel Day-Lewis (observem que vários são os momentos em que a câmera permanece fixa no ator, mesmo com a presença de outros personagens na cena), comprovando que SANGUE NEGRO é um filme baseado na construção de seu personagem.
E se Day-Lewis é soberbo ao criar um homem visivelmente embrutecido, Paul Dano faz um trabalho não menos espetacular ao disfarçar toda ambição e pobreza de espírito de seu personagem num jovem aparentemente carismático e delicado, numa interpretação que certamente deveria ter sido mais bem reconhecida do que tem sido.
Contemplativo e difícil de digerir, os quinze silenciosos primeiros minutos de SANGUE NEGRO nada mais são do que um resumo daquilo que está por vir: um filme com diálogos escassos e duros, cuja aridez e escuridão estão estampadas na tela. Diferente da crueldade não-declarada de filmes como JUNO e ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, a truculência e a brutalidade de SANGUE NEGRO são explícitas e confirmam aquilo que o título original anunciava a princípio: certamente “haverá sangue”!


por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ