quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O LEITOR

Todo ano é assim: às vésperas do oscar, produções típicas à premiação pululam as salas de cinema (ou não, já que boa parte dos exibidores prefere aguardar a cerimônia e trazer algo concreto do que arriscar-se a trazer algo que além do público escasso corre o risco de sair de mãos abanando). De um lado, produções arquitetadas e realizadas com o intuito de abocanhar o maior número de estatuetas possíveis, o que não corresponde necessariamente à filmes ruins (vide O AVIADOR), mas muitas vezes obras menores ou incompletas (O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON). Do outro, filmes pendentes a autoralidade como geralmente é o caso de Clint Eastwood, e mais recentemente dos Cohen e Paul Thomas Anderson. No meio de campo há sempre meia dúzia de produções mediocres, além de outras obras híbridas a essas duas “vertentes de cinema”. É onde se encaixa O LEITOR, terceiro longa do inglês Stephen Daldry.
Diretor de BILLIE ELLIOT e AS HORAS (ambos nomeados ao Oscar), Daldry chega a sua terceira indicação consecutiva como melhor diretor recebendo as mesmas críticas de outrora: de que faz um cinema excessivamente melodramático, calcado mais em textos do que em imagens, sempre pecando por pesar a mão sobre o politicamente correto. De fato seu cinema tem sim algumas dessas características, muito embora mereça destaque pela honestidade com que conta suas histórias. Tomemos como exemplo BENJAMIN BUTTON: não se trata de um filme ruim, apenas de uma obra perdida em sua própria grandiosidade. Toda a pretensão que a cerca acaba por sufocá-la. Não há dúvidas de que seja um filme com sentimentos, eles apenas acabam limitados a um personagem apático que teme a própria tragédia. Mais uma vez (é bom ressaltar) não faz com que ele seja necessariamente um filme ruim. Trata-se apenas de um filme menor de um diretor (David Fincher) cuja carreira trazia até então pelo menos duas obras-primas: CLUBE DA LUTA e ZODÍACO. Agora voltemos à Stephen Daldry: seu cinema pode não ser lá dos mais criativos e ele sequer nega que seus filmes sejam construídos para emocionar, mas há uma honestidade em sua intenção de contar histórias. Claro que intenções são intenções e filmes são filmes. Mas ainda assim essa extrema vontade de contar algo transcende e, em O LEITOR, Daldry consegue potencializar seu trabalho como diretor ao menos durante o primeiro ato. O restante, é claro, fica a cargo de Kate Winslet.
Durante todo o início da história a interpretação de Winslet é favorecida pela direção de Daldry. Como exemplo, a espetacular sequência do garoto no banho: ele se levanta de costas, e ela que até então se mostrara uma mulher embrutecida, sem qualquer traço de sexualidade, entra com a toalha para secar-lhe os ombros. A princípio vemos apenas as mãos dela em quadro, ensaiando algumas carícias nas costas do garoto. O espectador percebe os indícios da desconstrução daquela primeira impressão deixada pela personagem. De repente o corte faz com que o quadro abra e revele Winslet nua atrás do rapaz. O choque é inevitável: a decupagem, aliada à interpretação da atriz, faz com que a personagem desajeitada, quase masculinizada (vale reparar a postura e os braços abertos, meio estabanados de Winslet nas cenas) dê lugar de um plano a outro a mulher sensual que a partir de então passa a se envolver com o adolescente.
Já no segundo ato Kate Winslet se sustenta com as próprias pernas. Tal como David Cross, que encarna com sensibilidade o jovem Michael Berg. Os personagens de ambos se contrapõem: ele representando a vergonha de uma nação que fechara os olhos para as atrocidades do holocausto; ela, uma trabalhadora desfavorecida, que sem grande discernimento, não tem idéia dos crimes que cometera trabalhando para o partido nazista. Há, um porém: analfabeta, ela prefere prejudicar-se diante de um tribunal do que assumir publicamente que não sabe ler. Hanna é, portanto, uma dessas personagens cuja tragicidade torna capaz de sustentar um filme. Nas mãos de uma atriz com o gabarito de Kate Winslet então nem se fala. Stephen Daldry sabe disso. Assim como sabia quando escalou Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman para estrelarem AS HORAS. Pode-se até acusá-lo de ser um diretor mediano ou dizer que seu cinema é simplório. No ententanto é um cinema honesto em suas limitações, as quais tenta superar através do roteiro e das atuações. Numa comparação entre filmes do Oscar, O LEITOR se assemelha bastante à DÚVIDA: são obras acadêmicas em sua direção, mas que acabam potencializadas graças à suas interpretações. Aqui, Kate Winslet faz mais do que interpretar: ela praticamente cria e carrega um belo filme nas costas e com o consentimento do diretor.

por ALVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

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