quinta-feira, 17 de setembro de 2009

MOSTRA O SEU QUE EU MOSTRO O MEU

Às vezes desconfio do cinema universitário. Ou melhor, desconfio de parte do cinema universitário que se propõe poético (é sempre bom evitar generalizações). Não que eu ache a poesia, a experimentação ruim, pelo contrário, acredito que não há ambiente mais propício para ela do que a própria universidade, porém, ao ver a quantidade de obras que se pretendem poéticas/experimentais presentes em mostras como o “Mostra o seu que eu mostro meu”, realizada pelos alunos da FAP/CINETVPR (da qual também faço parte como discente), fico com o pé atrás pela seguinte questão: será que nessa busca dos alunos pela experimentação, pela poesia, não existe uma preguiça, ou mesmo um temor, de se tentar o clássico? Será que esse cinema experimental não traz um pseudo-conforto de que tudo, inclusive os erros, podem se tornar linguagem?
Enfim, trata-se apenas de uma provocação que faço após assistir as sessões de documentário e ficção exibidas na mostra (isso porque não cheguei a tempo da mostra Experimental!), em que pelo menos seis filmes (Oscar 07/01, Abranches, Cristo Morto de Mantegna, O Fenômeno da Paisagem, Hollywood e Os Silentes Sinceros) iam, de alguma maneira, contra à narrativa clássica, seja da ficção ou do documentário, podendo assim ser colocados como experimentais. Curioso, no entanto, é notar que três desses filmes se apoiam sobre o recurso da voz off, enquanto apenas os outros três conseguem se estruturar imagéticamente (Oscar, Abranches e Cristo Morto). O experimentalismo desses três últimos me parece, portanto, mais consistente do que o dos demais, pelo simples fato de propor uma poesia através da forma (gosto, sobretudo, de Oscar, que me remete ao pouco que vi dos trabalhos de Jonas Mekas e Stan Brakhage, e Cristo Morto, que de alguma forma questiona a consistência da imagem) e não pela simples criação de universos metafóricos, recheados de citações (Os Silentes Sinceros, e de certa forma, O Fenômeno da Paisagem), nem pelo uso de imagens de arquivo, que remontadas, tentam achar alguma poesia-homenagem (Hollywood). No meio disso tudo, Estafeta e –Fuso, foram quase que OVNIs, por serem os únicos representantes do documentário “talking heads”, o participativo, que trabalha com entrevistas, embora –Fuso disfarce a entrevista em meio à observação. Por fim, Pastoreio, do qual falei brevemente em minha cobertura sobre o FBCU, e reafirmo: é um documentário muito mais importante pelo retrato de um espaço de ruptura, do que pelo personagem. É interessante ver o contraponto daquelas ovelhas em choque com a cidade, contrapostas ao ambiente urbano e ao lazer das pessoas que se exercitam pelo parque. Mais ainda, é constatar o contraste da forma (enquadramentos rígidos) com o acaso sempre presente ao filme documental (a cena das garotas que fotografam com as ovelhas, a fala do homem que se refere ao colega como artista da Globo, as ovelhas e o pastor correndo para atravessar a rua).
Agora o polêmico Com as próprias mãos. Pode-se até considerá-lo um filme corajoso, pelo fato de se colocar no meio universitário como um suspense de carnificina, a la Jogos Mortais, Albergue, etc. Acredito ser, no entanto, um filme equivocado, pelo simples fato de não saber se está mais para Funny Games, de Michael Haneke, ou para a já citada franquia Jogos Mortais. Essa indecisão afeta diretamente a mise-èn-scene e, sobretudo, o trabalho de câmera. O resultado, é uma câmera que, ora se esgueira para espiar a ação, sem jamais vê-la por inteiro (aqui a ideia de Haneke de que, ao jamais explicitar a violência imageticamente e sim sugestionando-a ao espectador, algo que pode ser tão violento quanto, incita o voyeriusmo de um observador não privelegiado), ora escancara o resultado dessa carnificina, seja pelo sangue que jorra das feridas do torturado ou até pela imagem de um dedo amputado. O filme acaba caindo em contradição ao colocar essas duas vertentes, a câmera se desorienta diante aquela heroína clichetípica do “olho por olho, dente por dente”, e Com as próprias mãos acaba sendo um filme que aborda a violência sem antes deglutí-la, sem saber ao certo como tratá-la. É por isso que ela se torna gratuita.
Em seguida a Com as próprias mãos, filmes realizados unicamente com o intuito de divertir (seja a nós, público, ou a eles próprios, realizadores). Le Temps faz uma sátira crítica à venda dos inúmeros produtos milagrosos vistos na televisão, Platô satiriza o set de filmagem de uma produção (universitária?), Filme Legendado, traz uma situação improvável, recheada com algumas boas sacadas, e Valentim… bem, é um filme de amigos reunidos. Por fim, O Muro, filme singelo que encontra na decupagem e na montagem elementos essenciais para aquilo que às vezes parece despretencioso demais: contar uma história, causar alguma comoção.
Agora, filmes e comentários à parte, é importante parabenizar não só à produção da Mostra, como também os alunos participantes, independente das minhas opiniões pessoais elencadas acima ou da recepção dispensada pelo público durante a sessão: cumpriu-se ali o intuito de um espaço em que colegas de uma mesma faculdade pudessem conhecer trabalhos uns dos outros e exibir exercícios tão importantes nesse processo de aprendizagem. Afinal, filmes são feitos para serem exibidos, não engavetados ou guardados debaixo do colchão. Dito isso, assumo minha negligência ao perder a data de inscrição desse 2° Mostra o seu que eu mostro o meu, realizado pelos alunos do curso de Cinema e Vídeo da FAP/CINETVPR.
por Alvaro André Zeini Cruz

terça-feira, 8 de setembro de 2009

HARRY POTTER E O ENIGMA DO PRÍNCIPE

A série Harry Potter é hoje um tipo de bicho em extinção: mesmo pertencendo a um cinema mainstream é a típica franquia da qual pode-se esperar uma realização minimamente interessante acrescida de alguma autoralidade. Nem sempre foi assim: vide os dois primeiros episódios dirigidos por Chris Columbus; ambos corretos e só. Potter, porém, adquiriu vida própria sob a tutela de Alfonso Cuarón, em O Prisioneiro de Azkaban (até aqui o melhor da série), filtrando sua magia sobressalente através de um realismo evocado principalmente pela relação moral estabelecida entre seus protagonistas. Em O Enigma do Príncipe, David Yates parece compreender a importância desse equilíbrio à trama, inserindo uma série de respiros ao caráter de urgência presente desde o filme anterior. A evolução é clara: se em A Ordem da Fênix os personagens além do protagonista eram sacrificados em prol de uma urgência desembestada basedada num roteiro menos trabalhado, aqui, uma tridimensionalidade dos personagens é retomada e isso só faz acrescentar ao filme. Não à toa, o elenco ressurge: veteranos como Michael Gambom e Alan Hickman têm oportunidade de realçar a complexidade de seus personagens, e até mesmo Daniel Radcliffe, um possível equívoco da série no passado, reaparece mais à vontade agora que Harry se aproxima da idade adulta, com suas tragédias já amadurecidas e uma consciência de que seu papel de herói é irreversível (ainda que Emma Watson continue sendo o ponto forte do trio protagonista).
É inegável que Radcliffe ganha muito com o amadurecimento do próprio personagem. Ele já não é apenas o herói eleito, ou o adolescente intempestivo dos últimos três filmes (algo que prejudicava especialmente o episódio anterior, excessivamete focado no protagonista). Potter é agora um rapaz em fase de transição para a idade adulta, algo que é abordado não somente através dele, mas também de seus companheiros Rony (Rupert Grint, em seu melhor desempenho durante a série) e Hermione (Watson). A rotina escolar, os relacionamentos, voltam a estar presentes na trama de forma semelhante a que estiveram em O Cálice de Fogo, só que mais bem acabada (o capítulo comandado por Mike Newell pecava por ser episódico demais). Aliás, Yates atinge com maior eficácia e fórmula proposta por Newell no quarto episódio: uma mistura da magia encantadora concebida nos filmes de Columbus (que de tão excessiva tornava-se prejudicial) e do tom sombrio estabelecido graças a Cuarón, acrescidos agora dessa urgência de uma guerra eminente, colocada pelo próprio Yates.
A cena em que Potter encontra-se numa lanchonete trouxa acaba tornando-se assim uma síntese da atmosfera vista em O Enigma do Príncipe, especialmente num determinado plano em que ele permanece sentado na mesa tendo uma janela ao fundo: as cores quentes e aconchegantes de dentro do estabelecimento contrastam à paleta acinzentada e ameaçadora vista do lado de fora. A ideia de um mundo sucumbindo às trevas, mas que ainda assim mantém alguns poucos pontos de segurança é explicitada e perpassa o filme. As cores quentes predominam em cenários como “a Toca”, a loja dos Weasley e a torre da Grifinória, e desaparecem gradualmente até que o filme mergulhe no universo sombrio que domina todo o terceiro ato, em que Yates, por sua vez, exacerba a eficácia de sua decupagem ao, por exemplo, dilatar a tensão da cena da caverna e narrar o desfecho desta mais tarde. Hogwarts, por sua vez, deixa de ser um lar idealizado ao protagonista. A escola acolhedora que nos foi apresentada tranforma-se assim num cenário mal iluminado, cada vez mais propício a esconder segredos e/ou revelar ameaças.
Adaptado por Steve Kloves com maior liberdade do que de costume, O Enigma do Príncipe “sacrifica” dois personagens que desenvolvem-se menos do que deveriam: o primeiro é o próprio vilão Voldermort, de quem conhecemos um pouco mais do passado através de alguns flashbacks. O segundo é Neville Longbottom, um colega de Harry que ganharia destaque por aqui para exercer papel importante mais adiante, em As Relíquias da Morte. O prejuízo, na verdade, é pífio: ao sexto episódio interessam Harry, Rony, Hermione, Dumbledore, Snape e Draco Malfoy, que pela primeira vez ganha algum aprofundamento ao revelar uma tragicidade quase equivalente a do próprio protagonista. O Enigma do Príncipe apresenta, porém, uma segunda função: a de extinguir os últimos resquícios de inocência de um mundo encantado, para, por fim, dar início à perigosa jornada que aguarda os protagonistas fora dos domínios de Hogwarts. Que venham então as duas partes de As Relíquias da Morte: afinal, já era tempo de Potter crescer.

por Alvaro André Zeini Cruz